terça-feira, 1 de agosto de 2017

Quando se observa o abismo

         Olha-me nos olhos e diz-me o que vês. Vá, diz-me. Estou à espera. Sempre disseram que os olhos são a janela para alma, por isso pergunto-te, mais uma vez, o que é que vês? Vês alguma alma? Vês a sua ausência? Algo a tomar o seu lugar? Se calhar esta última. Vem, deixa-me mostrar-te. Olha, e deslumbra-te!

            Vês todos estes seres distorcidos? Vês as suas figuras a torcerem-se sobre elas próprias, a gritar com as cordas vocais que já lá não estão? Bela a música que cantam! Uma inspiração e uma verdadeira elevação do espírito! Que mais temos? Que mais vês? Olha além, os contornos desfigurados de pessoas reais. Mas atenção que não são estas projecções que o são. Não. Elas são-no mesmo assim lá fora. Aqui elas são simplesmente retratadas tal como são, expostas em todo o seu horroroso e nojento esplendor! Mas anda que isto pouco ou nada interessa. Afinal de contas, só agora é que estamos a começar!

            Olha aqui em baixo. Olha bem. Parece um espelho, não parece. Mas não olhes muito tempo. Podes perder-te no outro lado, e sabe-se lá o que seria de ti! Olha agora ali. Vês todos aqueles ligamentos? Todas aquelas saturações ainda a escorrer este sumo vital. Olha de mais perto. Sim, consigo ver a realização nos teus olhos. Os pontos ainda estão frescos. Sim, todos eles, e sim, todos eles têm longos anos. Depois de algum tempo, apercebes-te que não vale a pena curar o que quer que seja e que é melhor deixar tudo como está! Mas anda, há muito mais para ver. Mas não mexas em nada! Rasga isto outra vez e estarás em apuros!

            Estamos mais perto agora. Consegues ouvir os gritos? Estes são novos. Enquanto que os outros eram mais reais, estes não são tanto. Eles vêem da imaginação, da vontade total e absoluta de fazer com que os soltem! E porque é que estão aqui? Porque a força de vontade para os conter é demasiado grande! Torna-se mais debilitada por vezes, mas aguenta-se… até ao dia em que não o fará. Ah, como os imagino a soltar guturais gritos enquanto a pele é rasgada, a carne cortada e os ossos partidos. A espera por algo tão grandioso mata-me!

            Ora cá estamos, no centro de tudo! Nas profundezas da mente de onde tudo isto é fruto! Não é belo? Não é magnífico? Não te dá vontade de simplesmente largares tudo e te perderes aqui?

            Diz-me, o que é que vês? Diz-me… ou será que terei de fazer de ti um exemplo?

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