A noite já vai longa.
Contemplo o céu estrelado neste banco à beira rio, iluminado pelas inúmeras
estrelas. Os meus pés batem paciente e ritmadamente no chão de pedra lisa. Olho
para o relógio, quase 3 da manhã e não há sinais dele. Atrasado como sempre, é
o que eu penso, e em mais podia eu pensar, se não estivesse já farto de o
fazer. É o que tenho feito desde sempre, é o que me tem destruído por dentro, e
o que me trouxe de volta para me destruir novamente.
Levo as mãos à cabeça enquanto as imagens e os tempos
voltam a mim. Apoio a cabeça nelas e os cotovelos nos joelhos, contemplando o
nada, a escuridão, ou pelo menos assim queria eu que fosse. Suspiro
ruidosamente à espera que passe, e essa mesma postura eu não abandono.
Oiço passos, mas não levanto os olhos para ver quem era.
- Vejo que estás à minha espera – disse ele.
- Não estou sempre? – perguntei eu, ainda com a cara
mergulhada nas mãos.
- Tinha coisas para fazer – continuou ele, avançando e
sentando-se ao meu lado.
- Como sempre.
- Eu pensava que isso já tinha passado.
- Eu também.
Ficámos em silêncio por alguns segundos, até que ele
perguntou:
- E qual é o plano agora?
- O que te parece?
Reparei que ele ficou a olhar para mim seriamente, ou
melhor, uma surpresa séria, como se não acreditasse que lhe estava a pedir
aquilo.
- E eu a pensar que não vias essas coisas com bons olhos.
- Tecnicamente seria um homicídio e não um suicídio.
- Mais um homicídio a pedido que outra coisa.
- Mas ias ser tu a premir o gatilho e não eu.
- É verdade.
- Não te agrada a ideia?
- A questão está longe de ser essa.
- Vais estar com moralismos agora?
- Queres que esteja?
- Não, obrigado.
Seguiu-se mais um momento de silêncio, desta vez bem mais
longo, em que ele nada fez a não ser olhar para mim ou para o horizonte,
enquanto eu continuava com a cara mergulhada nas mãos.
Senti um clarão, rapidamente seguido pelo som de um
trovão. Segundos depois comecei a sentir tímidas gotas de chuva a caírem-me na
nuca.
- Parece que vem aí uma tempestade – disse ele.
- Não podíamos ter escolhido um momento melhor.
- Se estás à procura de uma morte poética, sim, dificilmente
arranjarias algo melhor.
- Vamos acabar com isto de uma vez por todas.
- De certeza?
Dei por mim a pensar. Seria mesmo isto que eu queria? Não
haveria uma outra solução? Não seria possível resolver este problema sem ser
desta forma? Será… já chega…
- Sim.
- Muito bem.
Ele levantou-se e colocou-se diante de mim. Como que se apercebendo do que estava prestes a
acontecer, a mãe natureza pareceu querer demonstrar a sua pena, fazendo com que
a chuva caísse com maior intensidade. Ouvi o som de um casaco ser afastado e o
de uma pistola a ser removida do seu coldre.
- Vais querer ficar assim?
- Não – respondi eu, levantando a cabeça e encostando-me
ao banco do jardim, olhando para aquela figura com o rosto tapado por óculos
escuros, um cachecol e um capuz – tenciono morrer com alguma dignidade.
- Foi um prazer.
- O prazer é todo o meu.
Vi um clarão ao fundo, mesmo por detrás da figura, e não
tardou a seguir-se o som de uma bala a ser disparada, abafado pelo som de mais
um trovão.
Enfim paz.