terça-feira, 27 de agosto de 2013

             Era um dia como outro qualquer. O Sol punha-se para dar um quase fim a mais um dia, enquanto ela saía do escritório em que trabalhava e trocava algumas mensagens com o namorado.
            Após alguns longos minutos naquele horrível trânsito, típico de um conjunto de pessoas que está ansiosa para chegar ao conforto dos seus lares. Felizmente, nada a impediu de chegar ao seu. Estacionou o carro no passeio, chegou à entrada do prédio onde vivia e abriu a sua caixa do correio. Contas e mais contas, alguma publicidade (o costume), mas havia algo mais, um envelope amarelo-torrado com algo bastante resistente no seu interior. Não reconheceu quem lhe enviara, e envolta na curiosidade, subiu até ao seu terceiro andar.
            Abriu a porta, deixou as chaves em cima de uma taça de porcelana que tinha em cima de uma pequena mesa à entrada, e ao lado dela deixou tudo o que tinha tirado da caixa do correio, tudo menos aquele envelope. Avançou até ao seu longo sofá de cabedal preto (cabiam perfeitamente três pessoas), sentou-se nele, e abriu o envelope. Tirou de lá uma pequena folha de papel e uma cassete de vídeo. Desdobrou a folha e leu “Este era o último desejo dele. As minhas condolências”. A curiosidade tinha-lhe sido substituída pelo terror, e tudo o que bastou foram aquelas palavras. Felizmente, ou não, algo nela insistira para que guardasse o leitor de cassetes que repousava ao lado do seu modesto ecrã plasma. Contornou a pequena mesinha de madeira de carvalho que tinha à sua frente, ideal para suportar as pernas depois de um longo dia de trabalho, debruçou-se sobre o leitor, colocou nele a cassete, pegou nos comandos e voltou a sentar-se. Ligou a televisão e carregou no “play”.
            A princípio, apenas se via uma mancha branca, indistinta e tremida, mas a imagem começou a ficar mais focada e estável, até que se viu nitidamente uma modesta cadeira de plástico, envolta por umas paredes brancas. Nela sentou-se um jovem bastante pálido e de longos cabelos pretos despenteados. Olhou para a câmara com os seus olhos marcados por fundas olheiras e esboçou um inocente sorriso:
            - Olá – disse, numa voz bastante tremida – há quanto tempo? Hã? Sei que não temos trocado muitas notícias desde a última vez que estivemos juntos, e espero que esteja tudo bem contigo.
            Parou de olhar para a câmara e centrou-se no chão, e assim ficou durante alguns segundos, como se estivesse a pensar em cada palavra.
            - O que me leva a fazer este vídeo, é que… eu não aguento mais – voltou a olhar para a câmara, com um olhar totalmente diferente, já com lágrimas a formarem-se nos seus olhos – eu sei que devia continuar e tu encorajaste-me a isso, mas eu não consigo… não consigo mesmo.
            Nova pausa, e as lágrimas já caíam no chão.
            - Já passou tanto tempo… e eu não consigo habituar-me à ideia… a dor e o vazio que sinto desde o momento em que acordo e até ao momento que me deito… estão cada vez mais insuportáveis… e os pensamentos… que devia fazer-te passar pelo que estou a passar – cada palavra era interrompida por um forte soluçar – eu não quero fazê-lo… tu não mereces.
            Nova pausa, e neste momento, ela levava as mãos ao rosto, numa demonstração da mais profunda pena, querendo apenas estar ali para o confortar com algumas palavras, algo que já fizera. E ao olhar para ele reparava que estava diferente, mais magro e mais pálido, quase cadavérico.
            - Já magoei tanta gente numa tentativa parva de me fazer sentir melhor… mas não posso mais… eles também não tinham culpa… eu é que tenho! – exclamou apontando para ele com os dois indicadores – já chega… não encontro solução em lado nenhum… e não quero correr o risco de te fazer a ti ou a quer outra pessoa próxima a ti o que fiz aos outros… nunca me perdoaria – nesse instante, retirou uma pistola de trás das costas, ao que ela arregalou os olhos em pânico, e tentou reconfortar-se com a ideia de que era apenas mais uma das suas piadas – desculpa – disse, apontando a pistola à sua têmpora direita – amo-te – e dito isto, premiu o gatilho, que desencadeou um valente estrondo, que a fazer saltar de susto, e chorar ao ver aquele corpo inanimado, ainda a dirigir um olhar para a câmara, um olhar vazio, até que caiu da cadeira, junto dos restos de sangue que tinham sido projectados contra a parede da direita.
            O corpo foi encontrado horas depois pelo senhorio do jovem, que, após o caso suscitar a atenção da imprensa disse, em lágrimas, que era um rapaz que não fazia nada a ninguém e era amável para todos, sempre disposto a ajudar quando lhe pediam, tendo, talvez, como único defeito, passar muito tempo sozinho. Apesar disto tudo, havia quem jurasse a pés juntos que tinham visto aquele mesmo rapaz em desacatos em bares em discotecas, saindo ele deles com alguns arranhões, e os outros em estados bastante graves para as urgências. A isto o senhorio dizia que não passavam de história que inventaram para denegrir a imagem do rapaz e para justificar o que fizera, mas ele não sabia que era tudo verdade.
            Ela chorou como nunca tinha chorado o resto do dia ali, no sofá, sem coragem para olhar para o ecrã onde se via apenas um quarto abandonado e salpicado com sangue. Perguntou-se mil e uma vezes porque é que ele tinha feito tal coisa. Porquê?! Porque é que ele não aguentou?! Porque é que ele não seguiu em frente?! PORQUÊ?!!
            A questão é que não somos todos iguais, e, para alguns, quando estão no fim das suas forças e a cair desamparados em direcção ao nada, a morte consegue ser bastante tentadora, e aparenta ser a única solução.




Ass: Daniel Teixeira de Carvalho

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

             Grossas lágrimas escorriam pelo seu rosto enquanto a segurava nos seus braços. Apesar de ter consciência da realidade, parte dele acreditava que os seus pulmões iam voltar a encher-se de ar e ia voltar a ver aqueles belos olhos castanhos a olharem para ele, mas já era tarde, e tal só voltaria a acontecer nos sonhos que passaria a ter.

            Teve sorte por não ter morrido também naquele incêndio. As imagens não paravam de passar à frente dos seus olhos. Limitou-se a chegar a casa após mais um longo dia de trabalho, mas em vez de ser recebido pelo sorriso dela, foi recebido pela dantesca imagem da sua casa em chamas. Estava em choque, mas um pensamento fê-lo avançar, mesmo após os bombeiros lhe dizerem que era demasiado perigoso, “será que ela está lá dentro?”. Irrompeu pelas chamas após empurrar uma série de bombeiros, alguns dos quais saiam da casa sem nada lhe dizerem. Entrou em todas as divisões do primeiro andar, cozinha, sala e vários corredores. Não encontrou nada e as chamas estavam a tornar a procura cada vez mais difícil, dado o calor insuportável que criavam. Mas ele não podia parar, tinha que ver se ela estava bem, e se não estivesse, tinha que fazer os impossíveis para se certificar que ela ficava bem. Subiu até ao segundo andar, através das escadas de madeira prestes a desabar, e assim que chegou ao seu topo, lá estava ela, estendida no chão e coberta por uma intensa nuvem de fumo negro. Ele não pensou duas vezes, correu na sua direcção, a tossir como nunca antes tossira. Ajoelhou-se ao lado dela e tentou acordá-la. Não obteve qualquer resposta. Talvez os bombeiros pudessem ajudar. Assim que este pensamento surgiu na sua cabeça, levantou-a e seguiu em direcção à saída. Estava com mais dificuldade em ver o caminho, mas não havia tempo a perder. Encontrou as escadas, e desceu-as com cuidado, e assim que as abandonou, elas desabaram. Continuou até à saída. Debaixo do luar, deu largos passos pela relva, já sem força nas pernas e ajoelhou-se enquanto um grupo de bombeiros corria em seu auxílio, e um outro grupo de pessoas o aplaudiam. Mas não havia motivo para celebrações. Não havia nada a fazer. Ela estava morta.

*

            Longos meses passaram desde aquele terrível incêndio, mas descobrir quem teve aquela macabra ideia era algo que ele queria desvendar a todo o custo. Já tinha perdido as contas ao número de vezes que lhe tinham dito para esquecer tudo e seguir em frente, mas ele considerava aquilo tudo uma atrocidade à memória dela.

            Após inúmeras noites sem dormir, pedir ajuda às piores das companhias e um ou outro favor à polícia, conseguiu encontrar o culpado, um doente obcecado por incêndios que não fazia a mínima ideia que alguém estava naquela casa.

            As imagens do incêndio vinham-lhe à mente enquanto o espancava depois de o retirar da porta da entrada do barraco onde vivia e que arrombou em cima dele. Puro ódio alimentava os seus socos que embatiam fortemente no rosto daquele “pobre coitado” que estava agora estava mais morto que vivo dada a gravidade dos ferimentos e o sangue que perdera, mas não acabou assim. Ele arrastou-o pelo chão, sentou-o num banco e amarrou-o a ele, acabando por despejar sobre ele pouco mais de 5 litros de gasolina. Recuou, e acendeu o seu isqueiro enquanto observava aquele homem já inconsciente. Bastava-lhe largar o isqueiro para se vingar por aquilo que ele tinha feito, mas não conseguiu, algo o impediu. Olhou para a sua direita, e viu-a a ela, a segurar a sua mão. O olhar dela e o sorriso dela, aquele belo olhar e aquele belo sorriso, diziam-lhe claramente que aquilo não era a coisa acertada a fazer. No meio de lágrimas, ele disse que não era justo, e rapidamente foi abraçado por ela, que o encorajou a seguir em frente com a sua vida, e que mais cedo ou mais tarde, estariam novamente juntos. Após muito hesitar, arrumou o isqueiro e abandonou o barraco. Entrou no seu carro e foi para onde lhe pareceu melhor ir.

            Parou na praia onde adorava passar o seu tempo com ela, mas agora estava só. Sentou-se na areia, com o mar, que reluzia o luar, quase a tocar-lhe nos pés. Tinha que arranjar maneira de continuar, mas não sabia como.



















Ass: Daniel Teixeira de Carvalho

domingo, 18 de agosto de 2013

Aço

Material imortalmente conhecido
Por inúmeras vidas ter removido,
Sendo coberto pelo vermelho fluido
Que muitos incomoda quando é vertido.

Reluzente, tal precioso se mostra ser,
Fazendo lembrar, por vezes,
Uma pedra rara de ver
E que muitos procuram ter.

Felizmente que ele não é bélico somente.
Muitas, e mais simpáticas, aplicações ele tem,
Desde crucial à obra mais insignificante,
Até ideal para uma tarefa mais sonante.

O momento em que se desembrulha e estica,
Prendendo-a e afinando-a,
Certificando-se, assim, que a perfeição vem e fica,
E fazendo-a vibrar, dando vida a uma melodia magnífica.

A ela outras se juntam,
Vibrando em harmonia,
E é com o cantar das cordas da guitarra
Que se alegra uma qualquer vida.

















Ass: Daniel Teixeira de Carvalho