segunda-feira, 21 de abril de 2014

Lágrimas Vermelhas

Aprendemos a viver cada momento
Como se fosse único e perfeito,
Mas de dor não fica isento
Aquele que fica com o sonho desfeito.

Viver ao sabor do vento
Pairar sob o calor do sol
Apenas para que, com o tempo,
Ser colhido por um doentio anzol.

Colhidos, desprovidos de felicidade,
Embebidos em depressão,
Rodeados por falsidade
E destruídos por dentro, ficando sem coração.

Não adianta ter pena,
Nem prolongar o sofrimento.
O melhor a fazer é tornar a alma serena,
Domá-la e acalmar o seu Inferno.

Instantaneamente, a vida ganha uma nova cor,
Ou melhor, a perda de várias,
Porque agora a dor tem sabor
E consegue ser saciada através das várias escumalhas.

Simplesmente se passa a apreciar
Todo o mal em todo o seu esplendor,
Tanto por na nossa essência se criar,
Como também noutros se abater como um faminto predador.

Está claro o mal das acções,
Mas e quanto às palavras?
Claras são também as razões
Que defendem que elas não são nada calmas.

Um corpo partido pode ser curado,
Mas o mesmo não pode ser dito
De um espírito que foi quebrado
E que se convenceu de que está perdido.

Longo e tortuoso é esse caminho,
Cheio de obstáculos colossais
E sem qualquer sentido,
Apenas para nos fazer crer que não passamos de animais.
E animais nos tornamos.
Frios e calculistas ficamos,
Algo longe de humanos,
Mas ainda assim humanos.

Sentir tornar-se uma palavra estranha,
E chorar faz-lhe companhia,
Pois nenhuma lágrima se apanha
No deserto que se tornou esta vida.

Contudo, há necessidade de se expressar.
As palavras ajudam e muito,
Pois são elas que ficam a chorar,
Ou pelo menos parece-lo é o seu intuito.

Mas até ela fazem sacrifícios,
Ou melhor, os mesmos são precisos
Para que elas cumpram os seus objectivos
E não bloqueiem em momentos indecisos.

Aqui estou, com um novo corte no braço,
Aproveitando o líquido que escorre,
Calmamente, para o papel que abraço,
E que espera que eu o decore.

Sentir não se sente,
Apenas existe a “desesperada” tentativa.
No fim só se mente,
E espera-se pela respectiva medida punitiva.

Que tudo corra pelo melhor.















Ass: Daniel Carvalho


sexta-feira, 18 de abril de 2014

          A lua-cheia já ia alta, e iluminava-o a ele e ao bar de dois andares de que lhe tinham falado. Era uma autêntica espelunca, mas ainda assim, conseguia ter algum movimento e ele sabia que ela estava ali, sob pesada segurança.
            Saiu do beco de onde estudava o local, e avançou. A luz tremida do candeeiro que tinha à sua frente acabou por morrer assim que passou por baixo dele, e tal despertou o olhar curioso dos dois brutamontes que guardavam a entrada. Repararam numa silhueta que se aproximava, mas não lhe conseguiram ver a cara, esperaram mais um pouco, até que viram um sorriso animalesco… mais uns passos, e reconheceram quem era. Sacaram das pistolas que tinham atrás das costas, mas no momento em que as apontaram, já ele estava demasiado perto. Avançou em corrida, segurando um punhal em cada uma das mãos cobertas por cabedal, e num simples e rápido gesto, degolou o da esquerda. Quanto ao outro, desferiu-lhe um pontapé na barriga que o projectou contra a parede, apenas para ver o seu crânio trespassado por outro punhal.
            Contemplou a sua obra por instantes, uma poça de sangue no chão, proveniente da garganta cortada de um corpo ainda com espasmos, o mesmo sangue que lhe tinha sido espirrado por cima do ombro direito do casaco. Ainda segurando o pescoço do outro, contemplou o ar aterrorizado no seu rosto, agora coberto pelo sangue proveniente do golpe que lhe tinha sido feito no meio dos olhos.
            Retirou o punhal e deixou o corpo estender-se no chão. Fê-los rodopiar uma vez pelos seus dedos, e avançou até à porta. Inspirou fundo e enfiou-lhe a sua bota direita, arrancando-a pelas dobradiças dada a força do impacto. Avançou calmamente para dentro do bar, debaixo de ruído e do olhar dos clientes e dos seguranças. Estes, e até mesmo o bartender, apreçaram-se a servir-se das suas fiéis armas, e ele prontamente respondeu. Os seus punhais voaram na direcção das cabeças dos dois seguranças que estavam ao fundo, mesmo ao lado das escadas que levavam ao próximo andar, e não falharam o alvo. O bartender apontou-lhe a caçadeira de canos cerrados que tinha escondida debaixo do balcão à cabeça, mas não conseguiu premir o gatilho a tempo. Ela foi-lhe puxada das mãos, e a sua cabeça atirada violentamente contra o balcão, apagando-lhe os sentidos. As únicas duas balas foram desperdiçadas em outros dois seguranças, atirando-os pelas janelas do lado esquerdo, e acertando de raspão nos clientes descontrolados que procuravam a tudo o custo desviar-se das balas que voavam e manter-se vivos.
            Ele deixou cair a caçadeira e retirou das suas costas duas pistolas, dando início é um bélico tiroteio enquanto ele avançava sem medo das balas que pareciam temer acertar-lhe, culminando num bar agora decorado com cadáveres, paredes esburacadas e cobertas de sangue e pedaços de cérebro. Perante os restantes presentes aterrorizados, ele falou enquanto recuperava o fôlego e carregava as armas, deixando escapar o tom de voz de um verdadeiro animal:
            - Se querem viver, a porta é ali, mas não vou esperar por ninguém.
            Eles obedeceram, e aos tropeções fizeram o que lhes era possível fazer para conseguirem sair dali. No meio daquele barulho todo, ele apercebeu-se de passos acelerados vindos do andar de cima e em direcção às escadas. Encostou-se à parede e esperou. Não tardaram a aparecer mais dois seguranças armados, um atrás do outro, dado o quão estreita era a passagem por aqueles degraus em cotovelo. Retirou um pedaço de arame farpado do interior do seu casaco, e com ele envolveu o pescoço do último, apertando-o o mais que podia, cravando-lho bem fundo na carne. O barulho que fez chamou a atenção do outro, que se virou apenas para ver o arame a ser puxado, abrindo e trazendo agarrado a ele parte do pescoço daquele que era o seu amigo de infância, sendo-lhe projectada contra a cara uma grande quantidade de sangue, cegando-o temporariamente. Levou as mãos à cara para tentar limpar os olhos, e ele também se apreçou. Largou o corpo, e tomou a pistola que o outro tinha deixado cair para se limpar. Agarrou-a pelo cano, saltou para cima dele, e debaixo dos seus gritos de misericórdia, desferiu-lhe coronhadas, uma e outra e outra vez, até que acabou por lhe esmagar o crânio.
            Levantou-se, com o coração bater aceleradamente por força de toda aquela adrenalina, e avançou para as escadas, subindo-as lentamente, mas de forma a que percebessem de que ele se aproximava. Ele já ia a meio, e já lhe era possível ver onde ela estava, sentada num luxuoso sofá, nos braços dele, e cara afundada no seu ombro.
            Chegou ao topo, e mais um veio na sua direcção, segurando uma faca. Um olhar bastou para que ele hesitasse, mas não chegou a parar. Ele agarrou-lhe o braço que empunhava a faca, puxou-o na sua direcção, ajustou a faca, e lançou-a contra ele, perfurando-lhe o crânio pela base do maxilar.
            Ela tremia descontroladamente enquanto o outro lhe afagava as costas e lhe dizia que tudo ia correr bem. Contudo, aquele carinhoso abraço tinha que acabar, tal exigia a situação. Levantou-se e avanço na sua direcção:
            - Achas que podes vir aqui destruir aquilo que me custou a construir e sair impune?
            - Eu já vos tinha avisado.
            - És uma aberração e não mais que isso. Ela está muito melhor comigo.
          - Ela era a única pessoa que acalmava o monstro que vive em mim, e ela sabia bem disso. Tudo o que aconteceu e vai acontecer esta noite é apenas culpa vossa.
            - Seu…
            E sem terminar a frase lançou-lhe um soco de direita que lhe acertou em cheio na cara e que o fez recuar alguns passos. Já movido pela confiança de conseguir fazer algo que mais ninguém naquela noite conseguiu, avançou, sem aquilo que mais devia ter… medo. Ele recompôs-se e lançou-lhe um olhar que o fez gelar por dentro, agarrou-o pela nuca, e puxou-o na sua direcção, apenas para que pudesse cobrir-lhe o pescoço com os seus dentes, fazendo-o soltar um grito agonizante, silenciando-o assim que lhe arrancou um bocado da sua carne, apenas para a cuspir para o chão logo de seguida.
            Ela olhou-o através dos seus cabelos loiros enquanto ele limpava o sangue que lhe escorria pela boca.
            - Por favor, desculpa – pediu ela, tentando afundar-se o sofá enquanto ele se aproximava.
            - Em tempos era capaz de perdoar, mas não agora. Estou farto.
            - Por… favor – soluçava ela.
            - A única coisa que eu vou lamentar esta noite – disse, enquanto a tirava do sofá e a sentava numa cadeira – é não ser capaz de te fazer sentir a dor e o tormento porque me fizeste passar.
            - Eu lamento… imenso – disse ela, sabendo que não podia fazer nada para se salvar – desculpa-me!
            Ele segurava agora uma corda que encontrara pelo caminho, e com ela amarrou-a à cadeira.
            - Não era a minha intenção.
            - Todos devemos pagar pelo mal que fizemos, e tu, ao contrário do que possas pensar, não és mais que ninguém.
            Avançou até à faca com que tinha sido ameaçado inicialmente enquanto ela chorava. Removeu-a do crânio em que repousava e avançou até ela. Começou a fazer-lhe pequenos cortes nos braços, pernas, rosto, pescoço, costas e barriga, de forma quase indolor dada a sua precisão, mas ela não tardou a sentir todas essas feridas a transformarem-se numa só que a percorria de uma ponta a outra. A garrafa de whisky que tinham enxertado foi derramada por cima dela, e ela sentiu o ardor do álcool em contacto com o sangue, transmitindo-o num arrepiante grito e contorcendo-se na cadeira enquanto o líquido escorria por ela abaixo.
            Ele foi despejando o resto da garrafa pelo resto do andar, e quando ela ficou vazia, deixou-a cair, partindo-se assim que tocou no chão. Avançou até ela, que ainda digeria aquele choque, agarrou-a pelos cabelos e levantou-lhe a cabeça. Olhou o seus olhos azuis sem demonstrar qualquer expressão, e disse:
            - Vemo-nos no Inferno.
            Tais palavras fizeram-na recomeçar a chorar.
            - Por favor… não! – suplicou ela.
            Ele nada disse. Avançou até às escadas e quando lá chegou, sacou de um isqueiro e exibiu-o.
            - Não! – continuou ela – POR FAVOR, NÃO!
            Ele acendeu o isqueiro, e deixou-o cair. Criando uma gigantes chama que não se tardou a propagar por todo o espaço.
            Desceu as escadas e abandonou o bar com as mãos nos bolsos e debaixo dos gritos de desespero que ela soltava, e que não tardaram a transformar-se em gritos de dor. Cá fora, e do outro lado da rua, ele olhou para o incêndio, e ficou a ouvi-la. Os gritos conseguia ecoar pela noite adentro, mas assim que atingiram o seu auge, começaram a fraquejar, até que já não era possível ouvi-la.
            Não tardou para que o próprio bar acabasse por ceder à intensidade das chamas, e quando tal aconteceu, ele voltou-se e seguiu o seu caminho, sem primeiro deixar cair uma lágrima no passeio.