quarta-feira, 16 de outubro de 2013

           Quem diria que eu ia acabar por morrer tão cedo? Quero dizer, não estava mesmo a contar. Estava eu, sossegado, a dar um passeiozito quando de repente oiço um leve assobio e sinto logo de seguida algo a passar-me de um lado ao outro. Deitei logo às mãos à barriga e quase caí ao chão por causa da dor. Logo aí, mais uma surpresa. Tendo em conta a quantidade de sangue e aquele novo buraco, não era preciso muito para chegar à conclusão que tinha acabado de ser baliado. Comecei a olhar para os lados. Estava desnorteado e não sabia muito bem a quantas estava. Assim que olhei em frente, vi uma figura de negro a aproximar-se de mim e a enfiar-me uma bota de biqueira-de-aço mesmo no sítio onde me tinha acertado, atirando-me para trás um ou dois metros. A juntar a isto, assim que eu estava estendido no chão, foi generoso ao ponto de quase esvaziar um carregador. Isto é o que eu chamo “estar a ter um mau dia”, e como um mal nunca vem só, assim que me levantei, praticamente sem forças em lado nenhum para sequer dar dois passos sem voltar outra vez ao chão, ouvi-o a pegar num dos canos de chumbo espalhados por aquela garagem. O que aconteceu a seguir? Bem, num momento estava a tentar ganhar alguma distância, num outro estava a rodopiar no ar, e, quando dei por mim, estava outra vez estendido no chão e com a minha perna direita feita num oito. Como se não bastasse, ergueu o cano e com toda a força que tinha (que não é pouca, devo dizer) teve a gentileza de me partir as duas pernas. Tendo em conta a forma que digo isto, parece que não passa tudo de uma comédia negra, mas não, rir não era uma opção, e tendo em conta os meus gritos, bem, fiquei admirado por não ter aparecido ninguém para ver o que é que se estava a passar.
            Uma coisa é certa, correr ou até mesmo andar estavam agora fora da equação. O que é que me restava fazer? Rastejar, até que me apercebi que não valia a pena. Assim que olhei para trás e o vi, de cara tapada por um cachecol, uns óculos escuros e um capuz, apercebi-me que não tinha escapatória possível. Limitei-me a fazer o que me pareceu ser melhor: ficar onde estava e esperar que acabasse tudo o mais depressa possível. Virei-me de barriga para cima, e cuspindo sangue por todos os lados, pedi-lhe para acabar comigo de vez. Sem dizer uma palavra, apontou a sua pistola à minha cabeça e premiu o gatilho.
            Pelo menos morri às mãos de uma das minhas personagens. Uma morte um tanto ou quanto adequada, acho eu. E se assim não fosse, creio que ia ficar bastante desiludido.






Ass: Daniel Teixeira de Carvalho

A Morte de um Louco

Impossível me era saber
Que este dia tão cedo chegaria.
A surpresa foi tal
Que nem nos meus melhores dias a primeira bala sentiria.

As mãos à barriga deitei.
Para elas sangrei.
Em frente olhei
E de onde ela veio pensei.

Não tive tempo de responder.
Uma bota veio contra mim
E contra o chão caí
Ainda com menos a perceber.

A cabeça levantei
E mais uma salva de tiros levei.
Quase sem forças, levantar-me tentei
Só para perceber que redondamente errei.

Algo colidiu com as minhas pernas,
Algo rijo o suficiente para as partir.
Não contava aquela garagem com gritos nas suas entranhas,
Mas foi o que fiz, pois não me era possível rir.

Para longe rastejei,
Ou pelo menos tentei.
Lentamente, ele se aproximava,
E reparei que uma pistola ele empunhava.

A intenção dele era clara.
Não me adiantava tentar fugir.
De barriga para cima me estendi,
E para ele me dirigi.

Cuspindo o meu sangue,
Incentivei-o a comigo acabar.
Olhando para dentro do seu capuz,
A sua identidade não tinha que enganar.

Sorri uma última vez enquanto o gatilho era premido.
Apesar de tudo o que podia acontecer,
Fico contente por ter sido às mãos de algo que crio
Que eu acabo por morrer,
Caso contrário estaria um bocado desiludido.


















Ass: Daniel Teixeira de Carvalho

domingo, 13 de outubro de 2013

Ela chorava baba e ranho enquanto esperava pela melhor altura para sair daquela empoeirada sala de arrumos. A soluçar, abriu a porta uns meros centímetros, e espreitou. Encontrou o corpo da mãe completamente retalhado por cima do tapete, outrora verde, da sala-de-estar. Aliás, a única coisa que ela conseguia ver, era o tronco e um bocado da cabeça, que tinha rebolado até aos pés do sofá mais próximo. Quanto a braços e pernas, encontrava-se um pedaço aqui e ali, ora no chão, ora nos sofás, ora colados nas paredes. Ouviu sons de luta vindos daquela mesma sala. Abriu um pouco mais a porta, e deu o primeiro passo. Assim que o fez, ouviu o som de aço a cortar carne e a partir osso, seguindo-se um doloroso grito e a figura do seu pai a cair no chão, para além da parede que até então o ocultava. Com a mão direita cobriu o golpe que tinha no profundo golpe que tinha no ombro esquerdo, e por onde eram espirrados enormes jactos de sangue. Rodou a cabeça na direcção, estendeu-lhe o braço e no momento em que ia falar, um machado decidiu trespassar-lhe o crânio.
Ela não conseguiu conter o grito, o que se mostrou ser um erro crasso. Tomando o machado e fazendo-se mostrar, apareceu ele, coberto pelo sangue dos pais dela, e rangendo os dentes num arrepiante sorriso.
Ela limitou-se a fazer aquilo que o seu instinto de sobrevivência lhe gritava: “CORRE!”. Correu o mais depressa possível por aquele corredor que levava à saída das traseiras, enquanto ele a perseguia a uma velocidade claramente maior. Aproximou-se da porta, e o terrível hábito de tocar nas paredes quando se preparava para mudar de divisão custou-lhe caro. Ele atirou o machado na sua direcção e apanhou-lhe o braço direito. Imersa naquela horrível dor, deu por ela de joelhos a segurar aquele mesmo braço, que agora pintava a parede de vermelho. Ele aproximou-se e segurou no machado. Olhou-a, curioso para saber o que ela ia fazer a seguir. Nada, absolutamente nada. Limitou-se a ficar ali, a soluçar e sem forças para pedir misericórdia. Farto desta vista, ele depositou todo o seu peso no machado, e, perante isto, o braço não pôde fazer mais nada a não ser deixar-se quebrar, caindo no chão, agora inútil, enquanto a sua dona soltava um grito tal que de certeza que se ouviu em todo o bairro. Havia um rio de sangue agora, e ela tentou fugir mais uma vez. Deu os primeiros passos, mas não passou disso, começou a perder forças, a ficar com a visão turva. Não conseguiu evitar a cair quase inconsciente no chão.
Ele sabia que ela estava a morrer, algo que ele não podia deixar acontecer, ou pelo menos não para já. Tirou o cinto das calças e com ele apertou-lhe o resto do braço o melhor que conseguiu, diminuindo significativamente a quantidade de sangue que se perdia. Depois disto, sentou-a encostada à parede, e perante o ar pálido dela, sorriu mais uma vez. Finalmente podia acabar com ela como tinha planeado.
Sacou da sua fiel navalha, e com ela e começou a faze pequenos cortes em todo o corpo, não deixando escapar nenhuma parte, nem mesmo o angelical rosto que ela tinha. Praticamente não tinha forças para gritar, mas ele queria continuar a ouvi-la, e sabia exactamente como. Tirou um frasco de álcool etílico e derramou-o todo em cima dela. E assim que entrou em contacto com aquelas feridas frescas, finalmente teve o espectáculo que queria. Aquele grito podia muito bem durar horas. Ele ainda ficou alguns segundos a saborear aqueles gritos, até que deixou todo aquele prazer e a vontade de acabar com ela de uma vez por todas assumir o controlo. Tomou o machado mais uma vez e começou a esquartejá-la violentamente como um qualquer animal, começando pelo outro braço e acabando nas pernas. Parou uns segundos para remexer no interior do seu casaco. De lá tirou uma caixa de fósforos. Acendeu um, e deixou-o cair em cima dela, incendiando-a. Outro grito, mas este foi rapidamente silenciado. Pela última vez, ele tomou o machado e lançou-o em direcção ao pescoço, decapitando-a. Como não podia ficar assim, no preciso momento em que a cabeça rebolava na sua direcção, ele recuou uns passos, e correu na direcção dela, pontapeando-a pela janela que se transformou em mil pedaços.

Se pensas que a vida é um conto de fadas, estás bem enganado.

domingo, 6 de outubro de 2013

         Cliché, atrás de cliché. Uma sala desfeita e iluminada por meia dúzia de lâmpadas no fim dos seus dias, uma cadeira de madeira ainda ensopada com sangue fresco do tipo que aqui esteve antes de mim, uma mesa coberta por um conjunto de ferramentas capazes de deleitar qualquer torturador… e um bruta-montes a encher-me de porrada… e aí vem mais um soco. Bolas! Se isto continuar assim ainda me arranca o maxilar. Surpresa das surpresas, as cordas nos meus punhos podiam estar ainda mais apertadas, e acharam que não havia necessidade de me atarem os pés. Vamos a ver se me safo desta antes que perca todo o sangue que tenho no corpo. Será que ainda tenho força nas pernas? Depois das marteladas e do berbequim, não sei até onde posso ir. Aí vem mais um. Parece que ele está desiludido por não gritar. Desculpa, amigo, não és o meu primeiro, mas sempre és melhor que último que me torturou. O pobre coitado quase que desmaiou depois de ver tanto sangue. Calma, isto não é altura para te rires… e este soco foi para aprenderes. Ok, agora a sério. Hm, está a mexer nos brinquedos, a mostrar-mos. Se me queres tentar assustar é melhor teres outra ideia. Oh, olha, uma pistola… isso, aproxima-te. Coloca o cano mesmo no meio dos meus olhos… isso, prime o gatilho enquanto olho para ti, mostra-me do que és capaz. Click. Está descarregada, o truque mais velho no livro. Parece que ele se está a rir e a dizer alguma coisa, mas arreou-me bem ao ponto de não conseguir ouvir nada. Só por isso já subiste uns pontos na minha consideração. Ah, já tenho as mãos quase livres. É só uma questão de… bolas! Esse doeu mesmo. Ok, chega de brincadeiras, pega nessa faca e chega aqui.
            - Porque é que estás a sorrir?
            - Se estivesses no meu lugar também sorrias se estivesses prestes a sair daqui.
            - O quê?
            Como resposta recebeu um pontapé nos genitais, forte ao ponto de os sentir a serem esmagados. Quase de joelhos, largou a faca que empunhava, e que foi apanhada no meio ar por aquele que era suposto ser a sua vítima. Agarrou-o pelo pescoço e sentou-o naquela mesma cadeira.
            - Ora vamos a ver o que conseguimos fazer aqui – disse ele, afundando a faca na perna direita do seu torturador, recuando de seguida, a mancar pesadamente, em direcção à mesa de utensílios. Tirou de lá um conjunto de facas e um bisturi.
            Enquanto avançava, ia arremessando as facas, acertando na barriga, nos ombros, nos braços, nas pernas e nos pés. Aproximou-se, apoiou-se num joelho e começou a retalhar-lhe o corpo, tocando-lhe suavemente com a ponta afiada do bisturi, e começando pelo rosto.
            Enquanto os gritos ecoavam, ele disse:
            - Não sei quem é que te ensinou a torturar, mas quem quer que tenha sido, não te ensinou muito bem – começava a desenhar círculos à volta dos olhos – tens que ter calma, deixar o corpo sentir e digerir a dor, algo que claramente não fizeste muito bem.
            Entretanto desceu para o tronco, e, trespassando a camisola branca, escreveu algo na carne dele. Percorreu o resto do corpo nos minutos seguintes, até que parou ao ver que estava a começar a desfalecer por causa da perda de sangue.
            Levantou-se, regressou à mesa, deixou lá o agora ensanguentado bisturi, e pegou na pistola de pregos.
            - Por favor – gemeu o outro.
            - Não leves isto a peito – disse ele, apontando-lhe a pistola de pregos – simplesmente pediram-te para torturar o tipo erado – e dito isto, disparou seis pregos contra a testa dele, acabando por desenhar um sorridente smile.
            Não perdeu tempo a admirar o que fez. Atirou a pistola de pegos para cima da mesa, avançou até à cadeira que estava ao pé da entrada, e de lá tirou um par de luvas, um casaco e um cachecol pretos e uns óculos escuros. Depois de voltar a vestir a sua indumentária, subiu as escadas que levavam a um escuro e nojento beco.

            Mais tarde viriam a encontrar naquela sala um homem sentado, com um smile feito de pregos na testa e a seguinte mensagem cravada no peito: “Boa sorte para a próxima”.