domingo, 6 de outubro de 2013

         Cliché, atrás de cliché. Uma sala desfeita e iluminada por meia dúzia de lâmpadas no fim dos seus dias, uma cadeira de madeira ainda ensopada com sangue fresco do tipo que aqui esteve antes de mim, uma mesa coberta por um conjunto de ferramentas capazes de deleitar qualquer torturador… e um bruta-montes a encher-me de porrada… e aí vem mais um soco. Bolas! Se isto continuar assim ainda me arranca o maxilar. Surpresa das surpresas, as cordas nos meus punhos podiam estar ainda mais apertadas, e acharam que não havia necessidade de me atarem os pés. Vamos a ver se me safo desta antes que perca todo o sangue que tenho no corpo. Será que ainda tenho força nas pernas? Depois das marteladas e do berbequim, não sei até onde posso ir. Aí vem mais um. Parece que ele está desiludido por não gritar. Desculpa, amigo, não és o meu primeiro, mas sempre és melhor que último que me torturou. O pobre coitado quase que desmaiou depois de ver tanto sangue. Calma, isto não é altura para te rires… e este soco foi para aprenderes. Ok, agora a sério. Hm, está a mexer nos brinquedos, a mostrar-mos. Se me queres tentar assustar é melhor teres outra ideia. Oh, olha, uma pistola… isso, aproxima-te. Coloca o cano mesmo no meio dos meus olhos… isso, prime o gatilho enquanto olho para ti, mostra-me do que és capaz. Click. Está descarregada, o truque mais velho no livro. Parece que ele se está a rir e a dizer alguma coisa, mas arreou-me bem ao ponto de não conseguir ouvir nada. Só por isso já subiste uns pontos na minha consideração. Ah, já tenho as mãos quase livres. É só uma questão de… bolas! Esse doeu mesmo. Ok, chega de brincadeiras, pega nessa faca e chega aqui.
            - Porque é que estás a sorrir?
            - Se estivesses no meu lugar também sorrias se estivesses prestes a sair daqui.
            - O quê?
            Como resposta recebeu um pontapé nos genitais, forte ao ponto de os sentir a serem esmagados. Quase de joelhos, largou a faca que empunhava, e que foi apanhada no meio ar por aquele que era suposto ser a sua vítima. Agarrou-o pelo pescoço e sentou-o naquela mesma cadeira.
            - Ora vamos a ver o que conseguimos fazer aqui – disse ele, afundando a faca na perna direita do seu torturador, recuando de seguida, a mancar pesadamente, em direcção à mesa de utensílios. Tirou de lá um conjunto de facas e um bisturi.
            Enquanto avançava, ia arremessando as facas, acertando na barriga, nos ombros, nos braços, nas pernas e nos pés. Aproximou-se, apoiou-se num joelho e começou a retalhar-lhe o corpo, tocando-lhe suavemente com a ponta afiada do bisturi, e começando pelo rosto.
            Enquanto os gritos ecoavam, ele disse:
            - Não sei quem é que te ensinou a torturar, mas quem quer que tenha sido, não te ensinou muito bem – começava a desenhar círculos à volta dos olhos – tens que ter calma, deixar o corpo sentir e digerir a dor, algo que claramente não fizeste muito bem.
            Entretanto desceu para o tronco, e, trespassando a camisola branca, escreveu algo na carne dele. Percorreu o resto do corpo nos minutos seguintes, até que parou ao ver que estava a começar a desfalecer por causa da perda de sangue.
            Levantou-se, regressou à mesa, deixou lá o agora ensanguentado bisturi, e pegou na pistola de pregos.
            - Por favor – gemeu o outro.
            - Não leves isto a peito – disse ele, apontando-lhe a pistola de pregos – simplesmente pediram-te para torturar o tipo erado – e dito isto, disparou seis pregos contra a testa dele, acabando por desenhar um sorridente smile.
            Não perdeu tempo a admirar o que fez. Atirou a pistola de pegos para cima da mesa, avançou até à cadeira que estava ao pé da entrada, e de lá tirou um par de luvas, um casaco e um cachecol pretos e uns óculos escuros. Depois de voltar a vestir a sua indumentária, subiu as escadas que levavam a um escuro e nojento beco.

            Mais tarde viriam a encontrar naquela sala um homem sentado, com um smile feito de pregos na testa e a seguinte mensagem cravada no peito: “Boa sorte para a próxima”.

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