quarta-feira, 21 de março de 2018

Destinos


Três sãos as mulheres,
As musas por excelência,
Que fazem da sua missão,
Tecer qualquer vivência.

E tecer é o que elas fazem.
Com calma e determinação,
Tecem docemente
O fado da multidão.

Todas as vidas
Passam gentilmente pelo seu toque.
Aí elas guiam,
Para o final e derradeiro corte.

Alheias ao sofrimento causado elas estão,
Porque assim está delineado.
E a obra vai crescendo então,
Num crescendo de dor e de pecado.

Pensar não está na sua sina.
Não é essa a sua função.
Apenas deixar escrita
Na linha a fatídica união.

Mas conseguem elas ver
O meu profundo desejo,
De com as suas linhas prender
A fonte do seu fôlego?

Apertar e torcer
Até mais nada restar.
Cortar e decepar
Até a vida jorrar.

Faz apenas todo o sentido,
Que o sofrimento das Irmãs do Destino,
Esteja tanto no seu ofício,
Como no seu crepúsculo fatídico.

quinta-feira, 8 de março de 2018

No coração das cartas

           Muitos são os que visitam a minha tenda na procura de respostas aos seus mais variados problemas. Tu és apenas uma adição a esta lista que não me dou ao trabalho de contar. Por isso, não te preocupes nem te aflijas. As cartas não mordem. Muito pelo contrário. Toma esta cadeira e deixa que elas te falem.

            O Louco. Concluíste com um sucesso um novo ciclo. Um novo capítulo da tua vida está acabado e aquilo que és está cada vez mais cimentado. Parabéns! Ainda assim, esta conclusão leva a que uma nova busca surja, uma que será certamente imprevisível, mas necessária. Decisões terão que ser feitas no momento, pelo que alguma preparação deve ser tida em conta.

            O Mago. Aqui temos a preparação para o que está para vir. Apesar da imprevisibilidade que cobre o teu caminho e independentemente das adversidades que daí advirão, terás todas as ferramentas necessárias à tua disposição para levar a tua jornada a bom porto.

            A Morte. Interessante… claramente este ciclo que se fechou deixo-te emocionalmente em baixo. Um obstáculo que se mostrou difícil de ultrapassar, e que ainda assim conseguiste. Contudo, mais está para vir. Está nas tuas mãos livrares-te de tudo aquilo que te está a prejudicar, porque só assim conseguirás seguir em frente. E podes ter a certeza de que grande parte do que te irá conter se prende ao teu passado. Um sacrifício que terás que fazer para poder conhecer a verdadeira natureza do teu futuro.

            A leitura está feita. As cartas foram lançadas e as tuas dúvidas esclarecidas. Está agora nas tuas mãos decidir o que fazer com as respostas que te foram dadas. Apesar do resultado, podes encontrar conforto na ideia de que aqui estarei para tua próxima visita.

quarta-feira, 7 de março de 2018

Profundos Desejos


             Todos temos os nossos segredos. Alguns vivem deles, ora colecionando-os, ora expondo-os. O meu maior segredo foi ambicionar saber tudo sobre tudo. Apesar das limitações que o meu cérebro impõe sobre mim, uma vez que a sua capacidade de conter informação é biologicamente limitada, nunca encarei este objectivo como inatingível.

            Para alguns isto pode não parecer um segredo, mas sim um simples sonho ambicioso como tantos outros. A questão é que nem todas as formas de conhecimento são transmitidas abertamente. Algumas, as mais interessantes, estão escondidas de tudo e de todos, e nalguns casos, são tidas como há muito esquecidas.

            Durante os meus anos de estudo, dei por mim a nutrir uma dependência por esta secreta ambição. Tinha que saber mais e mais, custasse o que tivesse que custar. Vasculhei bibliotecas fora de horas, subornei para aceder a registos privados, troquei favores por documentos… tudo para ter a minha sede saciada.

            O problema deste tipo de dependências é que tendem a agravar-se, pelo que História, Psicologia, Medicina, Matemática e as demais ciências, rapidamente deixaram de ter muito para oferecer. Perante a necessidade de algo mais, recorri às artes obscuras. O Oculto, e tudo aquilo que ele implica, tomou toda a minha atenção. Estudei Alquimia e tratei de procurar sintetizar as minhas próprias soluções, os meus próprios elementos. Estudei Tarologia, Cartomancia e toda uma outra série de formas de adivinhar o futuro, meu e dos outros. Mas nada foi capaz de chegar aos calcanhares de quando aprendi a entrar em contacto com outras entidades que habitam neste mesmo plano. Há muito que se pode aprender com quem esteve presente desde o momento da criação… principalmente se se chegar a um acordo.

            Um outro problema das dependências, das obsessões doentias, é que se não tivermos cuidado, elas acabarão por nos consumir. Apesar de tudo o que aprendi, apesar de tudo o que eu já devia saber e tomar como certo, não consegui resistir à tentação de assinar um contrato com alguém que prontamente mo apresentou em troca de todos os segredos que permitem a nossa existência. A essência, o auge daquilo que é o verdadeiro saber… como é que eu poderia recusar? O meu nome reluziu com um brilho vermelho escarlate assim que assinei aquela folha, e prontamente me vi a cumprir o meu maior desejo.

            Mas agora escrevo nestas páginas com uma outra entoação. Há coisas que é melhor não sabermos. Há portas que é melhor não abrir. Neste caso, não foi o que fiz, mas com quem. O contrato pedia muito mais do que eu poderia alguma vez imaginar, algo que fiquei a saber assim que o assinei.

            Escrevo nestas páginas consciente de que é a última coisa que alguma vez farei.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Marcas de Sacrifício


            Ainda é tudo muito confuso. O efeito da anestesia ainda está presente e as minhas ideias ainda não são minhas. Sinto apenas que estou amarrado a uma cama de hospital e que a luz do meu quarto parece queimar os meus olhos.

            Após os primeiros segundos de consciência, as memórias vão regressando, e tudo começa a fazer sentido. Os meus gritos alertaram um vizinho que chamou os bombeiros. Encontraram-me meio estendido no chão da minha sala quase que a nadar no meu próprio sangue. Perdi a consciência pela primeira vez assim que eles me tocaram.

            Acordei por momentos já no hospital, cercado por médicos e enfermeiros a murmurar indistintamente. Consegui apenas ouvir algo sobre tendências masoquistas. O flash de uma câmara fotográfica foi mais que suficiente para eu voltar a perder os sentidos.

            Apesar da medicação, sinto o meu corpo a gritar de dor por baixo das várias ligaduras que apertam todo o meu corpo. Os cortes foram profundos o suficiente para isso mesmo. Não é uma questão de masoquismo. Não tiro prazer nenhum disto. É uma questão de obrigação e nada mais. Tive que o fazer… transformar o meu corpo numa tela para runas e símbolos…

            Um preço que estou disposto a pagar para nos salvar a todos.