Nós, seres humanos,
desde o início dos tempos, temos questionado o porquê de toda a nossa
existência, e todas as explicações possíveis residem em duas massivas teorias:
criacionismo e evolucionismo. Todos sabemos em que é que elas assentam e
defendem até aos dentes, os vários conflitos entre ambas e o sambe derramado
que deles sucedeu. Contudo, nos tempos que correm parece existir uma certa
harmonia, havendo inclusive estudos científicos de obras religiosas. Não procuro
falar de ciência, mas sim, talvez, filosofar um pouco. Todos conhecemos os três
níveis que nos esperam após a chegada da nossa hora. Todos sabemos no que cada
um consiste, nem que seja uma definição que nos surja através do seu próprio
nome. Porém, como serão eles realmente? Serão iguais para todos, ou cada um
viverá o seu? O percurso já foi traçado uma vez em séculos já idos, e mudou
totalmente a visão que o mundo tinha destas paisagens.
Pretendo voltar a seguir o mesmo percurso. Já entrei a
colossal entrada com as célebres palavras “Deixai toda a esperança, vós que
entrais”. Examino-a durante tempo incerto. Um guia não me aparece. Talvez surja
durante o percurso, ou simplesmente terei de o percorrer sozinho, e assim mesmo
enfrentar os horrores que aqui se escondem.
Sigo em frente e começo a desce a gruta escura como o breu,
usando o meu tacto e avançando cautelosamente para não cair rumo ao
desconhecido. Estão mais intensos os gritos de dor e os lamentos que já ouvia
no exterior. Sentir um arrepio na espinha foi inevitável, principalmente quando
comecei a sentir gargalhadas que de certo não eram humanas. Para o que se
seguiu, bastou um passo em falso. A terra que me suportava desabou, e dei por
mim a escorregar por ali abaixo. Não sei como não gritei, talvez tivesse
deduzido inconscientemente que seria melhor não o fazer para não atrair
atenções indesejadas.
Do nada gigantescas chamas surgiram perante mim, quase
cegando os meus olhos já habituados às trevas, e decerto que me teriam queimado
vivo se tivesse a passar de pé. Logo a seguir a elas o chão acabou, e
instintivamente rodopiei para me agarrar a alguma coisa, e acabei por me
agarrar a uma berma, ficando suspenso apenas por uma mão, a balançar de um lado
para o outro. Segurei-me com a outra para recuperar o fôlego, e dados os gritos
e gargalhadas ensurdecedores, o intenso calor que se fazia sentir e a minha
curiosidade, olhei para baixo. Nunca vai tão horrendo espectáculo. Milhares de
corpos contorciam-se de dor, esquartejados, torturados, violados e devorados
por todos os tipos de demónios. A mais actos assisti, mas não faço a mínima
ideia que eram. As minhas narinas foram assoladas pelos cheiros nauseabundos de
carne podre, sangue e excrementos, tudo misturado em algo tão intensamente
nojento que ia perdendo as minhas forças. Esforcei-me para subir, e lá
consegui. Levantei-me e limpei a terra das minhas roupas. Aproximei-me da berma
e voltei a olhar para baixo. Foi bastante fácil reconhecer o circulo da
Luxúria, da Gula e da Ganância. Respectivamente, os corpos desnudados que outrora
viviam apenas do prazer carnal, corpos inchados a chafurdar de barriga para
baixo e de boca aberta nos dejectos que resultaram da sua abundante e interminável
fome, e as almas a banharem-se em ouro derretido.
Afastei-me da berma. Fechei os olhos e inspirei fundo. Olhei
em frente para o negro rio que mais não podia ser que o rio Aqueronte, onde o
macabro barco de Caronte me aguardava, a mim, e mais umas pobres (ou nem tanto)
almas.
Bem-vindos ao meu Inferno.