quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

         Nós, seres humanos, desde o início dos tempos, temos questionado o porquê de toda a nossa existência, e todas as explicações possíveis residem em duas massivas teorias: criacionismo e evolucionismo. Todos sabemos em que é que elas assentam e defendem até aos dentes, os vários conflitos entre ambas e o sambe derramado que deles sucedeu. Contudo, nos tempos que correm parece existir uma certa harmonia, havendo inclusive estudos científicos de obras religiosas. Não procuro falar de ciência, mas sim, talvez, filosofar um pouco. Todos conhecemos os três níveis que nos esperam após a chegada da nossa hora. Todos sabemos no que cada um consiste, nem que seja uma definição que nos surja através do seu próprio nome. Porém, como serão eles realmente? Serão iguais para todos, ou cada um viverá o seu? O percurso já foi traçado uma vez em séculos já idos, e mudou totalmente a visão que o mundo tinha destas paisagens.
            Pretendo voltar a seguir o mesmo percurso. Já entrei a colossal entrada com as célebres palavras “Deixai toda a esperança, vós que entrais”. Examino-a durante tempo incerto. Um guia não me aparece. Talvez surja durante o percurso, ou simplesmente terei de o percorrer sozinho, e assim mesmo enfrentar os horrores que aqui se escondem.
            Sigo em frente e começo a desce a gruta escura como o breu, usando o meu tacto e avançando cautelosamente para não cair rumo ao desconhecido. Estão mais intensos os gritos de dor e os lamentos que já ouvia no exterior. Sentir um arrepio na espinha foi inevitável, principalmente quando comecei a sentir gargalhadas que de certo não eram humanas. Para o que se seguiu, bastou um passo em falso. A terra que me suportava desabou, e dei por mim a escorregar por ali abaixo. Não sei como não gritei, talvez tivesse deduzido inconscientemente que seria melhor não o fazer para não atrair atenções indesejadas.
            Do nada gigantescas chamas surgiram perante mim, quase cegando os meus olhos já habituados às trevas, e decerto que me teriam queimado vivo se tivesse a passar de pé. Logo a seguir a elas o chão acabou, e instintivamente rodopiei para me agarrar a alguma coisa, e acabei por me agarrar a uma berma, ficando suspenso apenas por uma mão, a balançar de um lado para o outro. Segurei-me com a outra para recuperar o fôlego, e dados os gritos e gargalhadas ensurdecedores, o intenso calor que se fazia sentir e a minha curiosidade, olhei para baixo. Nunca vai tão horrendo espectáculo. Milhares de corpos contorciam-se de dor, esquartejados, torturados, violados e devorados por todos os tipos de demónios. A mais actos assisti, mas não faço a mínima ideia que eram. As minhas narinas foram assoladas pelos cheiros nauseabundos de carne podre, sangue e excrementos, tudo misturado em algo tão intensamente nojento que ia perdendo as minhas forças. Esforcei-me para subir, e lá consegui. Levantei-me e limpei a terra das minhas roupas. Aproximei-me da berma e voltei a olhar para baixo. Foi bastante fácil reconhecer o circulo da Luxúria, da Gula e da Ganância. Respectivamente, os corpos desnudados que outrora viviam apenas do prazer carnal, corpos inchados a chafurdar de barriga para baixo e de boca aberta nos dejectos que resultaram da sua abundante e interminável fome, e as almas a banharem-se em ouro derretido.
            Afastei-me da berma. Fechei os olhos e inspirei fundo. Olhei em frente para o negro rio que mais não podia ser que o rio Aqueronte, onde o macabro barco de Caronte me aguardava, a mim, e mais umas pobres (ou nem tanto) almas.

            Bem-vindos ao meu Inferno.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

            - Porque é que me chamaste?
            - Ainda tens a lata de me perguntar isso?
            Do interior do seu capuz negro e corroído, lançou-me um olhar que seria capaz de arrepiar e até mesmo de despedaçar qualquer espinha, mas não a minha.
            - Devias ter mais cuidado com as palavras que usas.
            - Há alguma razão para isso?
            Começou a grunhir e os seus ossos a estalar por força da minha falta de respeito, e falou mais uma vez, na sua voz vazia e distorcida.
            - Eu exijo respeito!
            - Tens uma moral desgraçada para falar.
            - SILÊNCIO!
            E no fim deste berro atirou a sua foice na minha direcção, cravando o chão mesmo mesmo à minha frente, a poucos centímetros dos meus pés.
            - Esperas que isso me meta medo? – perguntei eu, olhando e colossal foice de cima abaixo – estás assim tão desesperada por respeito ou o que quer que seja que procuras?
            Nada disse, mas também não deixei.
            - Deixa-me dizer-te uma coisa e é precisamente por isso que te chamei… O QUE RAIO PENSAS QUE ESTÁS A FAZER?! Se não estou em erro era suposto tu levares quem merece ser levado, não quem tem ainda tem muito para dar e pessoas de quem cuidar!
            - Eu continuo a fazer o que me compete.
            - Então deixa-me dizer-te que precisas de arranjar uma nova carreira e depressa.
            - Eu não vou tolerar mais faltas de respeito! Um mero mortal acha que me consegue substituir? Blasfémia!
            - Eu não acho, eu tenho a certeza. Não sei o quão bem me conheces, mas dada a tua ignorância, duvido que seja algo que vá para lá do meu nome. Não vale a pena explicar-te filosofias de vida e seus propósitos, se milhares de anos não te meteram juízo na cabeça, não vão ser as minhas palavras que o vão fazer. Ainda assim, vou tentar ser o mais simples e claro para ver se entra alguma coisa nessa cabeça dura. Temos dois tipos de pessoas: os parasitas que vivem à custa dos outros e só estão bem a fazer a vida deles num Inferno, os inocentes, que simplesmente procuram viver uma vida pacata e ajudando quem pode. É suposto tu tratares dos primeiros, não dos segundos!
            - Continuo a levar quem merece ser levado. Assim tem sido desde o início dos tempos.
            - Então ainda fico mais admirado por ninguém te ter despedido.
            Olhou para mim em silêncio por alguns segundos, até que:
            - Tomar a tua alma vai dar-me imenso prazer.
            - E porque não a tomas já? – perguntei eu, abrindo-lhe os braços – vá lá, faz de mim uma mensagem. Mostra a toda a gente que não se podem meter contigo se não vão desta para melhor. Vá lá, estás à espera do quê? De um convite por escrito?!
            Tomou novamente a sua foice, e eu avancei decidido na sua direcção, dizendo a cada passo:
            - Estás à espera do quê? Vá lá, mostra-me do que vales!    
Quando dei por mim, já estava diante dela, tão perto que podia sentir o seu bafo gelado.
- Infelizmente a tua hora ainda não chegou.
- Agora é por horas? Essa é boa.
- Mas o prazer vai continuar a ser todo meu… e ainda assim – distorceu um sorriso – é um tanto ou quanto interessante ver-te a defender a vida de alguns cuja morte tu mais desejas.
- Antes de ser humano sou um animal, e esse tipo de desejos são normais. Ainda assim, e se não estiveres satisfeita com esta resposta, estás a referir-te a uma parte de mim que já não existe.
- Tenho as minhas dúvidas.
Encostei a minha cara à dela, e continuei:
- Estás a meter-te com a pessoa errada, e se continuares com esta palhaçada, eu vou-te mostrar o porquê… e vou fazer muito mais do que tomar o teu lugar, para ser sincero, não o quero para nada, mas vou adorar humilhar-te e escapar ao teu toque.
- Sabes muito bem que isso é impossível. Mais cedo ou mais tarde a tua alma será minha.
- Tanto quanto sei, posso dá-la a alguém que não tu, e isso quereria dizer que a única coisa que irias encontrar seria o meu corpo a apodrecer, a sorrir e mostrar-te o dedo do meio.
Agora o sorriso tinha desaparecido:
- Vá lá, porque é que não me calas de vês? – perguntei eu, sorrindo.
- Terá que ficar para outra altura. Coisas mais importantes chamam a minha atenção.
E dizendo isto, abriu as suas esqueléticas asas e subiu lentamente pelo abismo em que nos tínhamos encontrado.
- Eu vou estar de olho em ti e tenciono cumprir tudo o que disse! Podes falar com os teus irmãos, não me importo, e se te encontrares com o Lúcifer, diz-lhe que eu digo olá.
Como a Morte funciona nunca iremos compreender. Será sempre visto como algo atroz e injustificado, havendo sempre quem diga que aconteceu por bem principalmente quando alguém está em pleno e puro sofrimento. Ainda assim, continua a não haver justiça, em nenhum dos mundos mesmo, pois quem realmente merece partir, está vivo e a transformar este mundo num verdadeiro Inferno.


sábado, 21 de dezembro de 2013

A caminho do horizonte

Parte de mim para mim olha
Levado em lágrimas infinitas,
E agarrado a uma estranha folha,
Começa a murmurar palavras perdidas.

Pede-me misericórdia, que me sente e o compreenda,
Mas tal não me é possível fazer,
Pois os danos por ele feitos não têm emenda,
E por ele durante um longo tempo não pude viver.

Corre na minha direcção perante a minha negação
E desfere débeis socos no meu peito.
Chamá-lo à razão foi a minha intenção,
Mas com ele nada feito.

Era possível viver sem este desfecho,
Com ele apenas a lembrar-me do que merecia ser lembrado,
Mas quereriam as intenções dele este fecho,
E assim perdi o meu passado excessivamente estimado.

Mais uma vez pedi-lhe para parar,
Mas tal ele não quis.
Na minha arma me vi a pegar,
E disparar sobre ele foi o que fiz.

Olhei os estragos por um segundo,
E dei por mim a inspirar fundo.
Assim desapareceu ele deste mundo,
Mesmo debaixo do céu nocturno.

Nenhuma razão realmente houve para tanto sofrer,
Tudo ideias de alguém de pouca idade,
Com muito ainda para aprender
E ainda mais no que toca a descobrir a verdade.

No horizonte vejo nascer a aurora
Algo um tanto ou quanto raro,
E na sua direcção sigo a esta hora,
Deixando morto parte do meu passado.


Ass: Daniel Teixeira de Carvalho

sábado, 14 de dezembro de 2013

Pelo nevoeiro

Nunca me canso de dizer
O quão espairecido me deixa
Esta última estação praseirosa
Da qual não tenho qualquer queixa.

Do gelo, do vento
E dos novos e agradáveis cheiros
Mas também digo com alento
O quão indescritível é passar pelos nevoeiros.

Acordar imerso neles
Espreitando pela janela e nada ver,
Passar por entre eles
E aos olhos de outros parecer um estranho ser.

Existe sempre uma comparação
Com uma certa cidade ficcional,
Conhecida pelo terror ardente no seu coraçao,
E pelos desafios que coloca a quem fez algo de mal.

Seja pela ficção,
Ou simplesmente por gostar,
Lá me aventuro sempre com um sorriso a esboçar
E, quiçá, talvez encontre D. Sebastião.

















Ass: Daniel Teixeira de Carvalho