Algures na nossa
realidade, existe uma torre cujo único propósito é acolher aqueles que nela se
reúnem com o intuito de decidir o destino do nosso mundo. Com quatro entradas,
cada uma alinhada com cada um dos quatro pontos cardeais, a torre estava pronta
para receber uma nova reunião. Galopando na sua direcção, quatro cavalos
avançavam, um branco a Este, um vermelho a Sul, um preto a Oeste e um pálido
como a cal a Norte.
Avançavam com a determinação de quem não pretende
desperdiçar tempo, e assim que se viram no negro interior daquela negra torre,
os quatro cavaleiros abandonaram as suas montadas e seguiram até se verem
diante de uma pequena mesa de chumbo. Sobre ela repousava uma pequena candeia,
e ao aproximarem-se, os cavaleiros revelavam quem eram. O que seguia no cavalo
branco empunhava um arco, o que chegou num cavalo vermelho, uma colossal
espada, o que se fez acompanhar de um cavalo preto, duas balanças, e aquele
cujo cavalo pálido aguardava pensativamente, carregava uma foice.
- Os quatro aqui estão – disseram em uníssono – que comece
o julgamento.
Com isto, cada um dos quatro tomou o seu lugar à mesa:
- Desde a nossa última reunião – disse o que empunhava as
balanças – o que surgiu de novo?
- Os conflitos não param de cessar – disse o da espada – entre
eles e contra eles próprios.
- As experiências para alargarem a sua esperança de vida
têm contribuído para a sua ruína – disse o do arco.
- A opressão e a discrepância de poderes continua a ser
uma constante que não aparenta parar – disse novamente o que segurava as
balanças, e que agora as tentava equilibrar com algo – e tu, Morte? Que trazes
para esta reunião?
- Nada para além do óbvio – disse a Morte – a sua
mortalidade continua a ser pesada com valores materiais, e são demasiados para
que tudo possa ser estabilizado.
- Tolos – disse aquele que segurava a espada – e merecem
ser tratados como tal!
- Dizes sempre isso, Guerra – continuou aquele que
tratava de atentar as balanças – talvez não sejas muito diferente deles.
- Diferente o suficiente para reconhecer o propósito da
minha existência, Fome – respondeu.
- Se tu o dizes. E tu, Peste? Tens contribuído em favor
do que relatas ou simplesmente foi algo que aconteceu da sua livre e espontânea
vontade?
- Sabes tão bem quanto eu, Fome, de que não precisamos de
interferir para que eles arranjem novas formas de se destruírem.
- E ainda assim – continuou a Morte – aqui estamos.
- Por quanto mais tempo iremos adiar isto? – perguntou a Guerra.
- Por quanto mais for necessário – respondeu a Fome.
- Sabes muito bem que está escrito – interpôs a Peste.
- Mas não temos quaisquer sinais.
- De certeza?
- Os selos continuam intocáveis – continuou a Morte – mas
será que eles ainda servem o seu propósito?
Uma longa pausa fez-se sentir.
- Estás a querer questionar a nossa lei? – perguntou a
Fome.
- Estou a querer questionar uma excepção à mesma.
A Fome encarou a Morte pensativamente, enquanto as suas
balanças oscilavam lentamente.
- Queres mesmo avançar com a destruição da humanidade?
A Morte lançou um olhar ao resto da mesa.
- Diria que está mais que na hora – disse a Guerra – um começo
novo está em ordem!
- E o que o impede de vir a culminar num resultado em
todo igual àquele com que nos deparamos agora? – perguntou a Peste.
- Sim, mas ouçamos a Morte – interpôs a Fome – certamente
tem algo mais em mente.
Perante o seu tom provocador, a Morte contemplou os
restantes mais uma vez, e disse por fim:
- Ainda é cedo para o Apocalipse. Não se preocupem, pois
se a humanidade cair, será pelas nossas mãos. Até lá, deixemo-los continuar,
mas não nestes termos. Intensifiquemos as nossas intervenções. Deixemos claro que
existimos e que observamos. Deixemos claro que eles são apenas humanos.
Um longo silêncio caiu sobre os quatro. Vários olhares
foram trocados, como se estivessem a procurar ler os pensamentos uns dos
outros.
- Parece-me uma boa ideia – disse a Peste.
- Ser menos benevolentes para com eles? Parece-me um bom
começo – concordou a Guerra.
A Fome continuava a encarar a Morte, mas algo mais chamou
a sua atenção. As suas balanças estavam agora em absoluto equilíbrio.
- Parece-me que a decisão está mais que tomada – disse –
o Apocalipse será adiado.
- Apenas por agora – continuou a Morte.
- Sim – respondeu a Fome.
- Os quatro aqui estão – disseram novamente em uníssono –
e a decisão está tomada.
Despedindo-se com estas palavras, cada um voltou à sua
montada, e desapareceram no horizonte para que a palavra falada seja convertida em acção tomada.