sexta-feira, 12 de maio de 2017

Equilíbrio

            Algures na nossa realidade, existe uma torre cujo único propósito é acolher aqueles que nela se reúnem com o intuito de decidir o destino do nosso mundo. Com quatro entradas, cada uma alinhada com cada um dos quatro pontos cardeais, a torre estava pronta para receber uma nova reunião. Galopando na sua direcção, quatro cavalos avançavam, um branco a Este, um vermelho a Sul, um preto a Oeste e um pálido como a cal a Norte.

            Avançavam com a determinação de quem não pretende desperdiçar tempo, e assim que se viram no negro interior daquela negra torre, os quatro cavaleiros abandonaram as suas montadas e seguiram até se verem diante de uma pequena mesa de chumbo. Sobre ela repousava uma pequena candeia, e ao aproximarem-se, os cavaleiros revelavam quem eram. O que seguia no cavalo branco empunhava um arco, o que chegou num cavalo vermelho, uma colossal espada, o que se fez acompanhar de um cavalo preto, duas balanças, e aquele cujo cavalo pálido aguardava pensativamente, carregava uma foice.

            - Os quatro aqui estão – disseram em uníssono – que comece o julgamento.

            Com isto, cada um dos quatro tomou o seu lugar à mesa:

            - Desde a nossa última reunião – disse o que empunhava as balanças – o que surgiu de novo?

            - Os conflitos não param de cessar – disse o da espada – entre eles e contra eles próprios.

            - As experiências para alargarem a sua esperança de vida têm contribuído para a sua ruína – disse o do arco.

            - A opressão e a discrepância de poderes continua a ser uma constante que não aparenta parar – disse novamente o que segurava as balanças, e que agora as tentava equilibrar com algo – e tu, Morte? Que trazes para esta reunião?

            - Nada para além do óbvio – disse a Morte – a sua mortalidade continua a ser pesada com valores materiais, e são demasiados para que tudo possa ser estabilizado.

            - Tolos – disse aquele que segurava a espada – e merecem ser tratados como tal!

            - Dizes sempre isso, Guerra – continuou aquele que tratava de atentar as balanças – talvez não sejas muito diferente deles.

            - Diferente o suficiente para reconhecer o propósito da minha existência, Fome – respondeu.

            - Se tu o dizes. E tu, Peste? Tens contribuído em favor do que relatas ou simplesmente foi algo que aconteceu da sua livre e espontânea vontade?

            - Sabes tão bem quanto eu, Fome, de que não precisamos de interferir para que eles arranjem novas formas de se destruírem.

            - E ainda assim – continuou a Morte – aqui estamos.

            - Por quanto mais tempo iremos adiar isto? – perguntou a Guerra.

            - Por quanto mais for necessário – respondeu a Fome.

            - Sabes muito bem que está escrito – interpôs a Peste.

            - Mas não temos quaisquer sinais.

            - De certeza?

            - Os selos continuam intocáveis – continuou a Morte – mas será que eles ainda servem o seu propósito?

            Uma longa pausa fez-se sentir.

            - Estás a querer questionar a nossa lei? – perguntou a Fome.

            - Estou a querer questionar uma excepção à mesma.

            A Fome encarou a Morte pensativamente, enquanto as suas balanças oscilavam lentamente.

            - Queres mesmo avançar com a destruição da humanidade?

            A Morte lançou um olhar ao resto da mesa.

            - Diria que está mais que na hora – disse a Guerra – um começo novo está em ordem!

            - E o que o impede de vir a culminar num resultado em todo igual àquele com que nos deparamos agora? – perguntou a Peste.

            - Sim, mas ouçamos a Morte – interpôs a Fome – certamente tem algo mais em mente.

            Perante o seu tom provocador, a Morte contemplou os restantes mais uma vez, e disse por fim:

            - Ainda é cedo para o Apocalipse. Não se preocupem, pois se a humanidade cair, será pelas nossas mãos. Até lá, deixemo-los continuar, mas não nestes termos. Intensifiquemos as nossas intervenções. Deixemos claro que existimos e que observamos. Deixemos claro que eles são apenas humanos.

            Um longo silêncio caiu sobre os quatro. Vários olhares foram trocados, como se estivessem a procurar ler os pensamentos uns dos outros.

            - Parece-me uma boa ideia – disse a Peste.

            - Ser menos benevolentes para com eles? Parece-me um bom começo – concordou a Guerra.

            A Fome continuava a encarar a Morte, mas algo mais chamou a sua atenção. As suas balanças estavam agora em absoluto equilíbrio.

            - Parece-me que a decisão está mais que tomada – disse – o Apocalipse será adiado.

            - Apenas por agora – continuou a Morte.

            - Sim – respondeu a Fome.

            - Os quatro aqui estão – disseram novamente em uníssono – e a decisão está tomada.

            Despedindo-se com estas palavras, cada um voltou à sua montada, e desapareceram no horizonte para que a palavra falada seja convertida em acção tomada.

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