quinta-feira, 22 de agosto de 2013

             Grossas lágrimas escorriam pelo seu rosto enquanto a segurava nos seus braços. Apesar de ter consciência da realidade, parte dele acreditava que os seus pulmões iam voltar a encher-se de ar e ia voltar a ver aqueles belos olhos castanhos a olharem para ele, mas já era tarde, e tal só voltaria a acontecer nos sonhos que passaria a ter.

            Teve sorte por não ter morrido também naquele incêndio. As imagens não paravam de passar à frente dos seus olhos. Limitou-se a chegar a casa após mais um longo dia de trabalho, mas em vez de ser recebido pelo sorriso dela, foi recebido pela dantesca imagem da sua casa em chamas. Estava em choque, mas um pensamento fê-lo avançar, mesmo após os bombeiros lhe dizerem que era demasiado perigoso, “será que ela está lá dentro?”. Irrompeu pelas chamas após empurrar uma série de bombeiros, alguns dos quais saiam da casa sem nada lhe dizerem. Entrou em todas as divisões do primeiro andar, cozinha, sala e vários corredores. Não encontrou nada e as chamas estavam a tornar a procura cada vez mais difícil, dado o calor insuportável que criavam. Mas ele não podia parar, tinha que ver se ela estava bem, e se não estivesse, tinha que fazer os impossíveis para se certificar que ela ficava bem. Subiu até ao segundo andar, através das escadas de madeira prestes a desabar, e assim que chegou ao seu topo, lá estava ela, estendida no chão e coberta por uma intensa nuvem de fumo negro. Ele não pensou duas vezes, correu na sua direcção, a tossir como nunca antes tossira. Ajoelhou-se ao lado dela e tentou acordá-la. Não obteve qualquer resposta. Talvez os bombeiros pudessem ajudar. Assim que este pensamento surgiu na sua cabeça, levantou-a e seguiu em direcção à saída. Estava com mais dificuldade em ver o caminho, mas não havia tempo a perder. Encontrou as escadas, e desceu-as com cuidado, e assim que as abandonou, elas desabaram. Continuou até à saída. Debaixo do luar, deu largos passos pela relva, já sem força nas pernas e ajoelhou-se enquanto um grupo de bombeiros corria em seu auxílio, e um outro grupo de pessoas o aplaudiam. Mas não havia motivo para celebrações. Não havia nada a fazer. Ela estava morta.

*

            Longos meses passaram desde aquele terrível incêndio, mas descobrir quem teve aquela macabra ideia era algo que ele queria desvendar a todo o custo. Já tinha perdido as contas ao número de vezes que lhe tinham dito para esquecer tudo e seguir em frente, mas ele considerava aquilo tudo uma atrocidade à memória dela.

            Após inúmeras noites sem dormir, pedir ajuda às piores das companhias e um ou outro favor à polícia, conseguiu encontrar o culpado, um doente obcecado por incêndios que não fazia a mínima ideia que alguém estava naquela casa.

            As imagens do incêndio vinham-lhe à mente enquanto o espancava depois de o retirar da porta da entrada do barraco onde vivia e que arrombou em cima dele. Puro ódio alimentava os seus socos que embatiam fortemente no rosto daquele “pobre coitado” que estava agora estava mais morto que vivo dada a gravidade dos ferimentos e o sangue que perdera, mas não acabou assim. Ele arrastou-o pelo chão, sentou-o num banco e amarrou-o a ele, acabando por despejar sobre ele pouco mais de 5 litros de gasolina. Recuou, e acendeu o seu isqueiro enquanto observava aquele homem já inconsciente. Bastava-lhe largar o isqueiro para se vingar por aquilo que ele tinha feito, mas não conseguiu, algo o impediu. Olhou para a sua direita, e viu-a a ela, a segurar a sua mão. O olhar dela e o sorriso dela, aquele belo olhar e aquele belo sorriso, diziam-lhe claramente que aquilo não era a coisa acertada a fazer. No meio de lágrimas, ele disse que não era justo, e rapidamente foi abraçado por ela, que o encorajou a seguir em frente com a sua vida, e que mais cedo ou mais tarde, estariam novamente juntos. Após muito hesitar, arrumou o isqueiro e abandonou o barraco. Entrou no seu carro e foi para onde lhe pareceu melhor ir.

            Parou na praia onde adorava passar o seu tempo com ela, mas agora estava só. Sentou-se na areia, com o mar, que reluzia o luar, quase a tocar-lhe nos pés. Tinha que arranjar maneira de continuar, mas não sabia como.



















Ass: Daniel Teixeira de Carvalho

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