quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

           Há quem diga que não se pode estar pronto para lidar com a morte de alguém, mas tal é possível e encontra-se ao alcance de qualquer um, bastando apenas mentalizar-se que é algo que irá acontecer mais cedo ou mais tarde. Ainda assim é natural o choque e os sentimentos resultantes que se manifestam nos dias seguintes, marcados logos por uma nova rotina que já não pode contar com essa pessoa.
            Esse dia acabou por chegar, e aqui me vejo, a contemplar todo o funeral. Ainda me deixa atónito a quantidade de pessoas que decidiu comparecer. Olho em volta e para os portões. Cada vez são mais os que os atravessam. Talvez preferisse assistir a tudo de uma forma mais discreta, talvez num canto com uma boa visibilidade, mas o mar de gente arrastou-me para aqui para a linha da frente. Sem dúvida alguma foi-me concedido o melhor lugar. As palavras do padre embalam-me enquanto contemplo pensativo os dois caixões de madeira de carvalho envernizada que estão prestes a ser enterrados. Ainda pensei em não comparecer, mas achei que devia dirigir-lhes um último obrigado, esforçando-me para estar presente e contemplando-os em silêncio. Devo-lhes muito e isso é certo, aliás, não só é certo como claramente visível. Parece que a sua existência não foi significativa só para mim, e as lágrimas de uns e de outros são a prova viva disso.
            As despedidas são feitas e perguntam se alguém está disposto a dar umas últimas palavras. Talvez eu fosse a pessoa mais indicada, mas optei por me remeter ao silêncio. Ninguém se voluntariou e ninguém reparou que eu lá estava. Porque é que haveriam de o fazer?

            Chegou a hora de devolver os caixões à terra. Vários homens agarram neles e mergulha-nos delicadamente nos seus locais de repouso enquanto o som de inúmeros prantos se intensifica e ecoa por todo o espaço. Talvez devesse segui-los, mas nada sinto. Talvez seja verdade o que dizem, que as lágrimas são um dom a que apenas os humanos têm o direito… e que os demónios nunca choram.


Ass: Daniel Teixeira de Carvalho

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