Há
quem diga que não se pode estar pronto para lidar com a morte de alguém, mas
tal é possível e encontra-se ao alcance de qualquer um, bastando apenas
mentalizar-se que é algo que irá acontecer mais cedo ou mais tarde. Ainda assim
é natural o choque e os sentimentos resultantes que se manifestam nos dias
seguintes, marcados logos por uma nova rotina que já não pode contar com essa
pessoa.
Esse dia acabou por chegar, e aqui
me vejo, a contemplar todo o funeral. Ainda me deixa atónito a quantidade de pessoas
que decidiu comparecer. Olho em volta e para os portões. Cada vez são mais os
que os atravessam. Talvez preferisse assistir a tudo de uma forma mais
discreta, talvez num canto com uma boa visibilidade, mas o mar de gente
arrastou-me para aqui para a linha da frente. Sem dúvida alguma foi-me
concedido o melhor lugar. As palavras do padre embalam-me enquanto contemplo
pensativo os dois caixões de madeira de carvalho envernizada que estão prestes
a ser enterrados. Ainda pensei em não comparecer, mas achei que devia
dirigir-lhes um último obrigado, esforçando-me para estar presente e
contemplando-os em silêncio. Devo-lhes muito e isso é certo, aliás, não só é
certo como claramente visível. Parece que a sua existência não foi
significativa só para mim, e as lágrimas de uns e de outros são a prova viva
disso.
As despedidas são feitas e perguntam
se alguém está disposto a dar umas últimas palavras. Talvez eu fosse a pessoa
mais indicada, mas optei por me remeter ao silêncio. Ninguém se voluntariou e
ninguém reparou que eu lá estava. Porque é que haveriam de o fazer?
Chegou a hora de devolver os caixões
à terra. Vários homens agarram neles e mergulha-nos delicadamente nos seus
locais de repouso enquanto o som de inúmeros prantos se intensifica e ecoa por
todo o espaço. Talvez devesse segui-los, mas nada sinto. Talvez seja verdade o
que dizem, que as lágrimas são um dom a que apenas os humanos têm o direito… e
que os demónios nunca choram.
Ass:
Daniel
Teixeira de Carvalho
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