terça-feira, 1 de agosto de 2017

Por entre os vivos

       Lembro-me da primeira vez que morri. Lembro-me de sentir os problemas que me atormentavam a transformarem-se em nada. Lembro-me de sentir o vazio a tomar-me até que eu me tornei parte dele.

            Naquele único momento, naquela transição, não havia nada a não ser paz e tranquilidade. Nada passava pela minha mente. Apenas estava ali, a fluir, a navegar algures.

            Nas profundezas da obscuridade, senti algo a chamar-me. Até aos dias de hoje, continuo sem saber o que esse algo realmente era. Apenas que disse o meu nome e que, quando dei por mim, o nada agora era algo, ar entrava e saía dos meus pulmões e sangue corria novamente pelo meu corpo. Estava novamente vivo, mas havia algo de diferente. O chamamento continuava presente, e nele um propósito.

            O período de aceitação não foi fácil. Dei por mim a regressar àquele estado mais que uma vez, mas independentemente de como o fazia, vida era-me sempre devolvida. O que quer que seja que me obrigava a voltar, não parecia enfuriar-se com este meu comportamento. Sentia o mesmo que sentira da primeira vez, um chamamento sereno que queria apenas ver-se cumprido. Dei por mim a ceder e a aceitar, pois mais nada podia fazer.

            Quanto tempo passou? Quantos ajudei na transição? São duas das perguntas às quais não tenho resposta. O tempo deixa de ter qualquer interesse quando ele deixa de fazer parte das nossas vidas.

            Ainda me lembro da primeira vez que morri. O resto? É história.

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