Diante de mim há duas
realidades que se mostram eternas, o poder incontornável da palavra escrita e a
memória indestrutível. Para muitos, escrever é apenas uma mera formalidade,
roçando o estritamente necessário. Para mim, contudo, chegou ao ponto de ser crucial
para a minha própria subsistência, uma vez que o meu próprio sistema começa a
apresentar falhas de funcionamento quando a palavra escrita não é exteriorizada
após um variável período de tempo. Esses mesmos problemas derivam do facto de a
memória ter o seu quê de indestrutível, não se restringido a excertos de
momentos, mas envolvendo diálogos na íntegra, posturas, maneirismos, sons,
cheiros, horas e clima. O simples facto de haver constantemente nova informação
a ser processada e interiorizada é mais que suficiente para que sobrecargas
ocorram. Algo que é apenas agravado com a manutenção do ideal de perfeccionismo
inalcançável.
As memórias, independentemente da sua natureza e da razão
pela qual chegam a esse estatuto, podem ser deturpadas de mil e uma maneiras,
assegurando conteúdo variado que pode então ser transportado para o papel
literal ou figurativo. Dominando este aspecto, torna-se mais fácil gerir o bom
funcionamento, assegurando o mesmo.
Um outro traço que também deve ser incluído nesta equação
prende-se à insensibilidade ou indiferença que se nutre sobre a temática, sob o
propósito de não deixar que a mesma tenha repercussões mais ou menos negativas.
Este traço pode ser trabalhado, ideologicamente, até à perfeição, mas, como
acima exposto, uma vez que a perfeição é inalcançável, tal não se consegue.
Desta feita, há por vezes episódios em que a palavra escrita, para além de
tinta literal ou figurativa, também se faz acompanhar de sangue e de alma.
É natural que aquele que cria deixe parte de si na sua
criação, mas quando se trata de preservação, tal é o total oposto. Partindo
desse princípio, passa a existir cada vez menos do criador quanto mais ele
criar.
Não é algo inteiramente mau, assumindo desde logo que o
fruto da sua criação seja, acima de tudo, benéfico. Ainda assim as implicações
podem não agradar a todos os que se encontram na mesma situação.
No fim, tudo se resume a isto: estamos dispostos a viver
em harmonia com as nossas memórias, ou prontos a aceitar o que nos trouxe aqui,
passando nós próprios a ser as memórias que outros tratarão ou não de ter em
consideração?
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