terça-feira, 1 de março de 2016

            A lógica mais não é que um emaranhado de ténues teias que não só une como envolve todas as coisas. Existe lógica na ciência, na arte e também na natureza mais primitiva do próprio ser. Elevando esta ideia para um outro plano, e sem acrescentar a lógica por detrás de crenças religiosas, podia tudo culminar num lógico confronto entre a Vida e a Morte, um jogo de xadrez extenso em recursos e sem pressas no que toca ao tempo.
            Cada uma move as peças, depositando na estratégia a sua própria personalidade. A Vida mantém a sua inocência e jovialidade, executando movimentos belos e delicados, ao passo que a Morte procura castigar severamente esta ingenuidade, pois não há nada de belo na existência, apenas dor e sofrimento. Perante estes episódios a Vida procura trazer algum optimismo, como se houvesse sempre uma luz ao fundo do túnel:
            - Demasiado duro, querida Morte – diz.
            - É suposto a existência ser dura. Só assim se pode evoluir como pessoa e consequentemente como ser.
            - Mas há mais para além disso. De que adianta viver se não se apreciam as mais pequenas coisas que nos são proporcionadas?
            - Não passam de distracções.
            - Mas não serão necessárias?
            - Um momento de felicidade leva a uma vida de sofrimento.
            - Sabes muito bem que nem sempre é assim.
            - Mas não deixa de ser uma realidade.
            - Uma realidade deturpada por ti.
            - Poderia dizer o mesmo. O que seria deste mundo se existisses apenas tu? Os humanos viveriam as suas vidas alegremente, prosperando para além daquilo que o planeta permite e mesmo que conseguissem expandir-se para outros mundos, tudo não seria mais que adiar o inevitável. Mais cedo ou mais tarde tornar-te-ias em mim.
            A Viva tomou o seu tempo a digerir estas palavras, a pensar nos seus movimentos e num bom argumento:
            - Mas… será que é mesmo assim?
            - Sabes bem que é. Se queres parar de te iludir, fecha os teus olhos e vê as minhas palavras a ganharem forma.
            Ela assim fez. Viu longos anos prósperos e felizes, com as mais diversas culturas a viver em paz e harmonia, mas tal como a Morte tinha dito, foi só uma questão de tempo até o desespero dar luz às primeiras hostilidades, que se transformaram em guerras e culminaram em caos e destruição.
            - Tens razão – disse ela, deixando cair uma lágrima no tabuleiro.
            - Sei que tenho, mas também sei que tu e eu precisamos de existir. Os humanos não percebem o poder que possuem, desconhecem e nem se preocupam com as consequências das suas acções e estão totalmente alheios do seu verdadeiro potencial. Preciso de ti para lhes dares esperança, para lhes dares vontade de se levantarem de manhã e viver a sua vida, mas tu precisas de mim para que eles não vivam de ilusões.
            - Mas preciso mesmo?
            - Sim, precisas – respondeu a Morte, sorrindo.
            - Creio que é uma ilusão acreditar que não formamos nenhum ciclo.
            - Sim, é.
            - E estou contente que assim seja.
            - E eu também.
            Várias calmas e cuidadas jogadas se seguiram até que:
            - Há quanto tempo é que jogamos este jogo, querida Morte?
            - Desde o início, querida Vida.
            - E algum dia terá fim? Haverá algum vencedor?
            A Morte esboçou um estranho sorriso:
            - O fim dos tempos o dirá.

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