sábado, 27 de fevereiro de 2016

           A vida humana é sobrevalorizada, um lema que ele conhecia e defendia bem. Quando o nosso trabalho consiste em ceifar vidas, pensar no seu valor não é mais que uma inconveniente distracção, mas há sempre um momento em que algo nos faz mudar a nossa perspectiva, ou pelo menos questioná-la.
            Ele já tinha uma carreira respeitável neste ramo. Era eficiente, implacável e levava qualquer tipo de trabalho a bom rumo, desde que o dinheiro fosse bom. Os alvos raramente iam para além do resultado de rivalidades entre os vários tipos organizações criminosas, tanto por não confiaram uns nos outros ou só porque sim. Certo dia, algo de diferente aconteceu, e ia mudar a sua vida para sempre.
            Um casal conseguiu chegar até ele. Visualmente destroçados contaram a sua história. Tinham um filho de 12 anos, um miúdo inteligente e com um futuro brilhante pela frente, que tinha morrido há coisa de semanas. As causas eram suspeitas, principalmente por os resultados da autópsia se terem mostrado inconclusivos. A única coisa que se conseguia apurar é que tinha sido encontrado num descampado. Contudo, os pais tinham um suspeito, ou melhor, tinham um culpado. Um padre seu conhecido tinha-se aproximado da criança. Nada de alarmante a princípio, mas a insistência dele para acompanhar a criança fosse para o que fosse, começou a levantar questões. O rapaz nada dizia, e o padre muito menos. O comportamento da criança mudou, perdendo gradualmente a vivacidade que se espera em alguém da sua idade, e apesar da preocupação dos pais ele continuava a não dizer nada. Dias mais tarde, apareceu morto. Os pais partilharam as suas suspeitas com as autoridades, que a princípio se mostraram intrigadas, tal como era o seu dever, mas com o estranho resultado da autópsia e o súbito desinteresse das forças competentes tornou-se impossível dar corpo a uma acusação e um julgamento nem sequer viria a imaginar-se.
            Desesperados por justiça decidiram recorrer a outro método. Tinham trazido com eles uma mala. No seu interior estava uma grande parte das suas poupanças, se não a sua totalidade. Aceitar dinheiro fazia parte do acordo, mas algo neste caso fazia-o desprezar a ideia. Ignorou a oferta, e procurando acalmar o seu pranto, garantindo-lhes que o faria pagar, matando-o lentamente e as vezes que lhe fosse possível. Depois de receber a morada e uma fotografia, acompanhou-os à saída, e pediu-lhes para tentarem seguir em frente com as suas vidas. Feito isto, estava na hora das preparações.
            O alvo vivia nuns apartamentos um tanto ou quanto luxuosos no centro da cidade, o que por si só levantava ainda mais questões. Passar pela pouca segurança que ali rondava não se mostrou um problema. Chegou ao quarto que lhe foi indicado, bateu à porta, e foi o próprio alvo a abri-la. Empurrou-o para dentro e trancou a porta, reforçando-a depois com uma cadeira que repousava ali perto. Sob as ameaças de chamar a polícia por agressão e invasão de propriedade privada, começou a dizer o que o trouxe ali. Assim que falou no rapaz o seu rosto ficou sem pinga de sangue. As suas palavras negavam a acusação, mas tudo o resto falava contra ele. O seu discurso mudou logo após os primeiros socos. Confessou. Abusou do rapaz uma última vez e como foi a última, fez com que ficasse gravada para sempre, tanto na sua memória como no corpo da criança. Não podia ver o seu bom nome destruído num processo desta natureza e pediu que o salvaguardassem. Havia outros. Um olhar mais doutrinário diria que esta confissão não tem qualquer valor, visto que para se livrar da dor bastaria dizer o que o interrogador quer ouvir, mas, neste caso, ele estava a ser espancado e tudo o que dizia era verdade, e dizia-a com todos os dentes que vinha sendo forçado a cuspir.
            Vizinhos tinham começado a bater à porta procurando saber se estava tudo bem e qual o porquê dos seus gritos. Tentou pedir auxílio, mas um golpe seco partiu-lhe o maxilar. Ainda assim, gritou. Era só uma questão de tempo até alguém aparecer e arrombar a porta. Tinha que se apressar. Queria que ele ficasse quieto, por isso partiu-lhe os braços e as pernas com um martelo. Posto isto, foi directo ao assunto e castrou-o recorrendo a um x-acto enferrujado (havia pressa, mas não assim tanta). De seguida cravou-lhe “pedófilo” na testa e “o primeiro de muitos” no abdómen. O sangue que perdera e a própria agonia já o tinham feito perder os sentidos. Não lhe restava muito tempo de vida, mas ainda não tinha acabado o trabalho. Uns safanões acordaram-no uma última vez, apenas para poder ver o que o esperava.
            A polícia acabou por chegar ao local. A porta estava aberta, como que se estivesse à espera deles para os receber. Encontraram uma generosa poça de sangue aos pés da cama e ao pé dela um conjunto de genitais masculinos. Um rasto de sangue levava até às janelas e fora delas, atado pelo pescoço com umas cortinas escarlates, estava o padre que ali morava. Futuras buscas à casa revelariam acessórios, vídeos e fotografias dos encontros que ele tinha ali mesmo naquele quarto.
            Os pais tinham razão desde o início, e podiam, talvez, dormir descansados por a justiça ter arranjado maneira de ver a luz do dia. O mesmo não se pode dizer de outros.

            

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