A vida humana é
sobrevalorizada, um lema que ele conhecia e defendia bem. Quando o nosso
trabalho consiste em ceifar vidas, pensar no seu valor não é mais que uma
inconveniente distracção, mas há sempre um momento em que algo nos faz mudar a
nossa perspectiva, ou pelo menos questioná-la.
Ele já tinha uma carreira respeitável neste ramo. Era
eficiente, implacável e levava qualquer tipo de trabalho a bom rumo, desde que o
dinheiro fosse bom. Os alvos raramente iam para além do resultado de
rivalidades entre os vários tipos organizações criminosas, tanto por não
confiaram uns nos outros ou só porque sim. Certo dia, algo de diferente
aconteceu, e ia mudar a sua vida para sempre.
Um casal conseguiu chegar até ele. Visualmente
destroçados contaram a sua história. Tinham um filho de 12 anos, um miúdo
inteligente e com um futuro brilhante pela frente, que tinha morrido há coisa
de semanas. As causas eram suspeitas, principalmente por os resultados da
autópsia se terem mostrado inconclusivos. A única coisa que se conseguia apurar
é que tinha sido encontrado num descampado. Contudo, os pais tinham um
suspeito, ou melhor, tinham um culpado. Um padre seu conhecido tinha-se
aproximado da criança. Nada de alarmante a princípio, mas a insistência dele
para acompanhar a criança fosse para o que fosse, começou a levantar questões.
O rapaz nada dizia, e o padre muito menos. O comportamento da criança mudou,
perdendo gradualmente a vivacidade que se espera em alguém da sua idade, e
apesar da preocupação dos pais ele continuava a não dizer nada. Dias mais
tarde, apareceu morto. Os pais partilharam as suas suspeitas com as
autoridades, que a princípio se mostraram intrigadas, tal como era o seu dever,
mas com o estranho resultado da autópsia e o súbito desinteresse das forças competentes
tornou-se impossível dar corpo a uma acusação e um julgamento nem sequer viria
a imaginar-se.
Desesperados por justiça decidiram recorrer a outro
método. Tinham trazido com eles uma mala. No seu interior estava uma grande
parte das suas poupanças, se não a sua totalidade. Aceitar dinheiro fazia parte
do acordo, mas algo neste caso fazia-o desprezar a ideia. Ignorou a oferta, e
procurando acalmar o seu pranto, garantindo-lhes que o faria pagar, matando-o
lentamente e as vezes que lhe fosse possível. Depois de receber a morada e uma
fotografia, acompanhou-os à saída, e pediu-lhes para tentarem seguir em frente
com as suas vidas. Feito isto, estava na hora das preparações.
O alvo vivia nuns apartamentos um tanto ou quanto
luxuosos no centro da cidade, o que por si só levantava ainda mais questões.
Passar pela pouca segurança que ali rondava não se mostrou um problema. Chegou
ao quarto que lhe foi indicado, bateu à porta, e foi o próprio alvo a abri-la.
Empurrou-o para dentro e trancou a porta, reforçando-a depois com uma cadeira
que repousava ali perto. Sob as ameaças de chamar a polícia por agressão e
invasão de propriedade privada, começou a dizer o que o trouxe ali. Assim que
falou no rapaz o seu rosto ficou sem pinga de sangue. As suas palavras negavam
a acusação, mas tudo o resto falava contra ele. O seu discurso mudou logo após
os primeiros socos. Confessou. Abusou do rapaz uma última vez e como foi a
última, fez com que ficasse gravada para sempre, tanto na sua memória como no
corpo da criança. Não podia ver o seu bom nome destruído num processo desta
natureza e pediu que o salvaguardassem. Havia outros. Um olhar mais doutrinário
diria que esta confissão não tem qualquer valor, visto que para se livrar da
dor bastaria dizer o que o interrogador quer ouvir, mas, neste caso, ele estava
a ser espancado e tudo o que dizia era verdade, e dizia-a com todos os dentes
que vinha sendo forçado a cuspir.
Vizinhos tinham começado a bater à porta procurando saber
se estava tudo bem e qual o porquê dos seus gritos. Tentou pedir auxílio, mas
um golpe seco partiu-lhe o maxilar. Ainda assim, gritou. Era só uma questão de
tempo até alguém aparecer e arrombar a porta. Tinha que se apressar. Queria que
ele ficasse quieto, por isso partiu-lhe os braços e as pernas com um martelo.
Posto isto, foi directo ao assunto e castrou-o recorrendo a um x-acto
enferrujado (havia pressa, mas não assim tanta). De seguida cravou-lhe “pedófilo”
na testa e “o primeiro de muitos” no abdómen. O sangue que perdera e a própria
agonia já o tinham feito perder os sentidos. Não lhe restava muito tempo de
vida, mas ainda não tinha acabado o trabalho. Uns safanões acordaram-no uma
última vez, apenas para poder ver o que o esperava.
A polícia acabou por chegar ao local. A porta estava
aberta, como que se estivesse à espera deles para os receber. Encontraram uma
generosa poça de sangue aos pés da cama e ao pé dela um conjunto de genitais
masculinos. Um rasto de sangue levava até às janelas e fora delas, atado pelo
pescoço com umas cortinas escarlates, estava o padre que ali morava. Futuras
buscas à casa revelariam acessórios, vídeos e fotografias dos encontros que ele
tinha ali mesmo naquele quarto.
Os pais tinham razão desde o início, e podiam, talvez,
dormir descansados por a justiça ter arranjado maneira de ver a luz do dia. O
mesmo não se pode dizer de outros.
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